segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O que terminei de ler...




Terminei de ler A Guerra do Fim do Mundo, de Mário Vargas Llosa. Duas palavras: Livro Maravilhoso! Quem já leu Os Sertões, de Euclides da Cunha, com certeza já sentia o potencial de se romancear a história de Canudos, seus personagens únicos, seu mundo mítico e fabuloso, onde o catolicismo popular, o imaginário do sertanejo e as reminiscências dos contos medievais mesclam-se para dar àquela gente simples, uma fé inabalável, uma certeza capaz de vencer a tudo, de impelir ao maior sacríficio, que foi lutar até o fim por sua “Jerusalém” de taipa.
Dois personagens me chamaram a atenção: João Grande, o ex-cangaceiro que convertido ao Bom Jesus comandou até o fim os guerreiros do Arraial e o anarquista escocês Galileo Gall.
Detenhamo-nos no escocês. Em sua vida lutara por quase toda a Europa Ocidental de fracasso em fracasso, fugindo de prisões, escapando a morte e por fim vindo parar em Salvador. Na velha cidade colonial, que em fins de século XIX, procurava colocar-se no caminho do progresso, Galileo tem uma vida errante e sem sentidos. Não há um movimento revolucionário no Brasil, ao qual possa aderir e prosseguir em sua luta por um mundo melhor!
No entanto, a certa altura toma conhecimento da derrota das forças federais no Sertão da Bahia pelos homens de Antonio Conselheiro. Isso chama a sua atenção. Procura inteirar-se dos fatos. Busca testemunhas, pessoas que tenham ido a Canudos e que possam lhe fazer um retrato do que ali ocorria; Munido das informações que colheu, toma como destino juntar-se aos sertanejos, e unido a eles fazer a sua revolução: Gall vê em Canudos a sua revolução, a luta contra a ordem opressora, a busca pela união e igualdade de todos os homens em uma sociedade  mais justa!
Gall vê apenas o que quer. Mesmo quando próximo ao arraial, em contato com os sertanejos, ignora o verdadeiro sentido da luta e continua seguindo para a sua idealizada Canudos. Buscando desesperadamente morrer em Canudos, não pelo Bom Jesus e pelo novo mundo, esperando por Dom Sebastião, mas pelo seus sonhos revolucionários, que viam em Canudos novos Communardes. Creio que procurando, encontremos ainda hoje, os Galileos Gall, lutando por utopias, não porque sejam impossíveis de serem realizadas, mas porque sua leitura equivocada da conjuntura, acaba enredando-os ainda mais nas próprias quimera, afastando-os da vida real, do mundo real.
Quanto a João Grande, Llosa o torna o herói de Canudos, o incansável  comandante da rua, o antigo cangaceiro feroz, personifica, o crente ideal de Canudos, que nunca perde a Fé e que luta até o fim contra as forças do governo. Seu ultimo ato, o massacre de inocentes que desejavam entregar-se é entendido como um ato misericordioso, uma vez que caídos ali, à bala, aqueles crentes iriam para o céu, ao passo que entregues ao Governo, era quase certo a morte por degola, o que na crença dos seguidores do Conselheiro, representava a condenação ao inferno.  Seu destino, revelado nas últimas linhas do livro não deixa de ter sua poesia: um oficial do corpo policial baiano, que há anos  o perseguia, quer saber o que aconteceu ao Comandante da rua, travando este diálogo com uma das velhinhas feitas prisioneiras;
“ – Quer saber do João Abade? – Balbucia sua boca sem dentes.
 - Quero – assente o Coronel Macedo – Viu-o morrer?
A velhinha nega e faz estalar a língua, como se chupasse algo.
 - Escapou então?  
A velhinha volta a negar, cercada pelos olhos das prisioneiras.
– Subiram-no ao céu uns arcanjos – diz, estalando a língua – Eu os vi.”
Aqui termina o livro. Não poderia imaginar um melhor final para o livro e para o personagem.