Saia de Fortaleza e vá
para o interior do Ceará. Esteja preparado. Você vai , na maioria das vezes sair
do século XXI e, se tiver sorte, mergulhar num ambiente que lembra as últimas décadas
do século XX, ou, se der azar, parar no meio do século XIX. E você nem precisou
do Delorean, de um buraco de minhoca ou outra parafernália qualquer da ficção
científica.
Se você tomar a BR-116
e seguir rumo ao Sul do estado você em pouco mais de 150 quilômetros vai se surpreender pela mudança na vegetação. A caatinga assoma soberana até onde a
vista alcança. Se você estiver em um automóvel
com ar condicionado (acredito ser muito difícil que você não utilize um)
desligue o ar e baixe os vidros. O calor sufocante vai assustá-lo. Nada da
brisa fresca do mar, o vento que vem até você é seco e quente, como se tivesse
vindo de uma fornalha. Pare o carro. Desça e pise no solo às margens do asfalto(em
alguns lugares talvez não consiga, porque as cercas de arame farpado que
acompanham a estrada às vezes seguem rente, colado a elas) . O solo estala,
crepita sob seus pés. No céu sem nuvens, de um azul brilhante você pode avistar
pontos pretos que parecem estar fixos na abóbada celeste. São aves de rapina
que do alto batem com o olhar as caatingas em busca de alimento. Siga viagem.
Aqui e ali você verá casinhas. De todos os tipos, de todas as cores, de tijolos
vermelhos, de tijolos brancos, umas rebocadas, outras não, casinhas de barro.
Algumas estão semidestruídas, algumas por terem sido abandonados pelos
moradores, outras porque os moradores diante das dificuldades da vida
abandonaram o cuidado com elas. Se estiver viajando após o meio dia verás, em
muitas dessas casas, as portas e janelas abertas e redes multicores estendidas
na sala, nos alpendres e o povo a sono solto...
Nas cidades você vai
encontrar uma ou duas ruas concentrando o comércio, onde as grandes redes de
loja disputam espaço e clientes com as lojinhas locais, prédios antigos, a
depender da vontade do povo e do governo, bem ou mal conservados, uma igrejinha
numa praça... O trânsito é caótico, motos(muitas motos), carros, ônibus,
bicicletas e pedestres todos parecem contradizer a lei da física que diz que
dois lugares não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. O Pau de Arara (pelo
menos pelas manhã) é o senhor absoluto das vagas nas ruas do centro. Chegam
cedinho trazendo quem mora na zona rural para fazer compras “na rua”, como
dizem os sertanejos, ficam até o meio
dia e retornam para os distritos e sítios abarrotados de gente, animais e os
mais diversos produtos. Aqui a Internet é lenta, TV aberta só por parabólica (se você não
quiser assistir um único canal) e salário mesmo, só dos aposentados e dos servidores
públicos. A política local é dividida em duas facções, não importando os
partidos, que apenas se adequam às especificidades locais.
Capitalismo? É um
vernizinho jogado por cima das relações patriarcais e de compadrio que
predominam de verdade na região. Socialismo? É um nome bonito pra
assistencialismo do governo aos pobres. E no cardápio você tem ainda uma
religiosidade marcadamente material, observada nos breves e escapulários, nas
mantilhas das beatas, nas promessas aos mais diversos santos (oficiai ou não), nos
ex-votos... Um caldo cultural no qual veio juntar-se, primeiro as Igrejas
Evangélicas, com seus shows da Fé e seu proselitismo exacerbado, depois, coisa
dos últimos anos, os alunos e professores dos Campi universitários que pululam
no interior, crescendo vertiginosamente como o mato e os buracos das estradas abundam
depois das chuvas.
E chuva? Chuva é festa! Tudo se transforma! É molecada correndo na rua alagada chapinhando no lamaçal, é o povo dentro de
casa correndo com baldes e bacias pra impedir que as goteiras inundem as casas.
A caatinga se cobre de verde, o clima se torna ameno, quem se acostumou a ver o
semiárido como uma terra estéril, seca, não o reconhece quando da temporada de
chuvas! São lagoas que surgem do nada, já com peixes nela! É milho, feijão
batata e outros produtos agrícolas sendo negociados nas calçadas, pontos de
ônibus, nas praças! A vida, tão dura, tão bruta, parece que nesses tempos se
amansa e justifica o porquê do Sertanejo se apegar tanto a ela!