quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Sertão do Ceará: reflexões ao viajante

            Saia de Fortaleza e vá para o interior do Ceará. Esteja preparado. Você vai , na maioria das vezes sair do século XXI e, se tiver sorte, mergulhar num ambiente que lembra as últimas décadas do século XX, ou, se der azar, parar no meio do século XIX. E você nem precisou do Delorean, de um buraco de minhoca ou outra parafernália qualquer da ficção científica.
         Se você tomar a BR-116 e seguir rumo ao Sul do estado você em pouco mais de 150 quilômetros vai se surpreender pela mudança na vegetação. A caatinga assoma soberana até onde a vista alcança. Se você estiver em um automóvel  com ar condicionado (acredito ser muito difícil que você não utilize um) desligue o ar e baixe os vidros. O calor sufocante vai assustá-lo. Nada da brisa fresca do mar, o vento que vem até você é seco e quente, como se tivesse vindo de uma fornalha. Pare o carro. Desça e pise no solo às margens do asfalto(em alguns lugares talvez não consiga, porque as cercas de arame farpado que acompanham a estrada às vezes seguem rente, colado a elas) . O solo estala, crepita sob seus pés. No céu sem nuvens, de um azul brilhante você pode avistar pontos pretos que parecem estar fixos na abóbada celeste. São aves de rapina que do alto batem com o olhar as caatingas em busca de alimento. Siga viagem. Aqui e ali você verá casinhas. De todos os tipos, de todas as cores, de tijolos vermelhos, de tijolos brancos, umas rebocadas, outras não, casinhas de barro. Algumas estão semidestruídas, algumas por terem sido abandonados pelos moradores, outras porque os moradores diante das dificuldades da vida abandonaram o cuidado com elas. Se estiver viajando após o meio dia verás, em muitas dessas casas, as portas e janelas abertas e redes multicores estendidas na sala, nos alpendres e o povo a sono solto...
                Nas cidades você vai encontrar uma ou duas ruas concentrando o comércio, onde as grandes redes de loja disputam espaço e clientes com as lojinhas locais, prédios antigos, a depender da vontade do povo e do governo, bem ou mal conservados, uma igrejinha numa praça... O trânsito é caótico, motos(muitas motos), carros, ônibus, bicicletas e pedestres todos parecem contradizer a lei da física que diz que dois lugares não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. O Pau de Arara (pelo menos pelas manhã) é o senhor absoluto das vagas nas ruas do centro. Chegam cedinho trazendo quem mora na zona rural para fazer compras “na rua”, como dizem os sertanejos,  ficam até o meio dia e retornam para os distritos e sítios abarrotados de gente, animais e os mais diversos produtos. Aqui a Internet é lenta,  TV aberta só por parabólica (se você não quiser assistir um único canal) e salário mesmo, só dos aposentados e dos servidores públicos. A política local é dividida em duas facções, não importando os partidos, que apenas se adequam às especificidades locais.
                   Capitalismo? É um vernizinho jogado por cima das relações patriarcais e de compadrio que predominam de verdade na região. Socialismo? É um nome bonito pra assistencialismo do governo aos pobres. E no cardápio você tem ainda uma religiosidade marcadamente material, observada nos breves e escapulários, nas mantilhas das beatas, nas promessas aos mais diversos santos (oficiai ou não), nos ex-votos... Um caldo cultural no qual veio juntar-se, primeiro as Igrejas Evangélicas, com seus shows da Fé e seu proselitismo exacerbado, depois, coisa dos últimos anos, os alunos e professores dos Campi universitários que pululam no interior, crescendo vertiginosamente como o mato e os buracos das estradas abundam depois das chuvas.

                     E chuva? Chuva é festa! Tudo se transforma! É molecada correndo na rua alagada chapinhando no lamaçal, é o povo dentro de casa correndo com baldes e bacias pra impedir que as goteiras inundem as casas. A caatinga se cobre de verde, o clima se torna ameno, quem se acostumou a ver o semiárido como uma terra estéril, seca, não o reconhece quando da temporada de chuvas! São lagoas que surgem do nada, já com peixes nela! É milho, feijão batata e outros produtos agrícolas sendo negociados nas calçadas, pontos de ônibus, nas praças! A vida, tão dura, tão bruta, parece que nesses tempos se amansa e justifica o porquê do Sertanejo se apegar tanto a ela!