terça-feira, 28 de março de 2017

Sede de conhecimento

          Esses dias estou trabalhando na revisão de dois artigos que foram aceitos para publicação. Em ambos fui provocado a ampliar mais minhas referências com algumas sugestões de trabalhos que enriquecessem a discussão teórica dos artigos. Não é uma tarefa simples, você que já teve essa tarefa pela frente sabe disso. O que estou fazendo é uma pesquisa completamente nova. O resultado será um artigo que seguirá o anterior em suas linhas gerais, mas se abrirá a novos horizontes. Novas discussões.  
          E é aqui que faço minhas reflexões. O conhecimento é algo que me deixa pasmo! Múltiplo, infinito, em constante expansão. Repleto de nuances e aberto as mais diversas possibilidades.Pesquisei com afinco sobre o tema dos artigos, mas as sugestões que recebi descortinaram um novo universo. Abordagens, métodos, pontos de vistas, perspectivas variadas, enfim, peças de diversos matizes para compor o mosaico do Conhecimento, que como um caleidoscópio muda, transforma-se a cada vez que você revê o corpus de informações coletadas para a pesquisa. 
           É algo belo. Temível também, uma vez que a cada leitura, a cada pesquisa, vamos ficando conscientes da insignificância do que sabemos e da necessidade de aprender mais. Hoje, quando se populariza o conceito de Learning Organizations, as organizações que aprendem, precisamos ainda mais nos recordar que necessitamos estar sempre aprendendo também. Não podemos aceitar as limitações, devemos esforçarmo-nos para expandir os horizontes sempre!
              A sede de conhecimento não pode ser saciada nunca. Tanto melhor. Porque esta é uma fonte que não para de jorrar. Nos tornamos humanos pela ousadia de enfrentar o desconhecido e clarear as trevas da ignorância com a luz do saber. É uma jornada árdua, mas gratificante, porque é da nossa natureza ser inquisitivos, é da nossa natureza querer saber!

segunda-feira, 20 de março de 2017

Fábricas de Deus

            Já não sei se o homem é uma criação de Deus. Mas eu tenho certeza de que o Deus que é pregado todos os dias em milhões de templos pelo mundo, o Deus a quem as pessoas dirigem suas súplicas, a quem responsabilizam por seus fracassos e agradecem por seus sucesso, esse, é uma criação muito humana. Antes que comecem o apedrejamento, quero dizer que acredito na existência de Deus. O divino é algo que transcende ao homem e está presente em todas as coisas. O que não dá pra acreditar é esse romancear que é feito sobre Deus. Por que Ele se envolveria em assuntos humanos tão mesquinhos? Porque Ele iria dar uma ajuda para que tu tires uma boa nota na prova, ou te dar um emprego, ou ainda te fazer encontrar a pessoa certa pra casar? Por que Ele iria enfurecer-se com você e lhe privar de paz e tranquilidade? Por que Ele tomaria partido numa briga entre vizinhos? 
           O fato é que cada um molda Deus de acordo com seus gostos. Há um Deus compassivo e bondoso, cheio de misericórdia. Este é o ideal para alguns, e são esses que enchem os templos que tem Deus com essas características. Já há, para outros, um Deus irascível, vingativo, que se ofende por qualquer deslize dos pobres humanos e descarrega sobre eles seu furor. Por incrível que pareça, há igrejas que admiram esse Deus e estas também estão cheias. Nossas igrejas são nada mais, nada menos que verdadeiras fábricas de Deus. Um processo árduo, mas que é realizado diariamente mundo afora.
            Parece um grande self-service. A Bíblia seria o buffet. Nela você vai encontrar uma miríade de características que podem ser combinadas das mais diferentes formas para criar seu protótipo de divindade. Tudo porque a Bíblia não é um livro único! Aliás, em grego, significa livros! Começa daí. Foram dezenas de textos escritos em épocas diferentes, por pessoas diferentes, vivendo experiências diferentes. Pessoas que precisavam, às vezes, de um poderoso Deus guerreiro, outras, de um pai amoroso e assim por diante. Depois esses textos foram sendo compilados e copiados, reunidos e separados, tantas vezes que muito provavelmente o que chegou até nós está longe de ser o que o autor original queria retratar. 
             O fato é que chegamos ao século XXI, e acabamos por nos afeiçoar a essas ficções de Deus, muito mais do que ao Deus real. Sabe por quê? Porque amamos o que se parece conosco e o que pode parecer mais conosco do que aquilo que criamos? Mas você não precisa acreditar em mim. Visite as igrejas. Vá em cada uma delas, assista seus cultos, rituais e veja, o quanto Deus difere de uma igreja para outra e até mesmo, de ministro a ministro dentro da igreja.   Você vai notar tantas versões... Mas, você dirá, Deus é tão grande que pode ser todas elas... e eu replico, assim como pode não ser nenhuma delas. 
             Não tenho respostas. Mesmo assim sigo fazendo perguntas. Através delas, e somente delas possa chegar a uma verdade! Busquemo-la então!
    

domingo, 19 de março de 2017

Cidades

             Hoje me peguei pensando nesse aglomerado de pessoas que se espremem numa área geográfica e passam a partilhar de diversas experiências e rotinas comuns. Chamamos isso de cidade. Por incrível que pareça, uma cidade nunca é a soma de seus moradores. Ela é algo mais. Ela possui vida própria e muitas vezes uma vontade própria, uma vontade que premia uns privilegiados e que faz uma vasta maioria viver de forma miserável.
             As primeiras cidades surgiram muito antes da escrita. Muito antes do que as instituições que hoje são símbolos dela, como as escolas, os bancos ou as igrejas. Assumiram ao longo do tempo as mais diversas funções, tendo mesmo a sua importância aumentado ou diminuído de acordo com a sociedade que a originou.
             Mas foi o capitalismo que concedeu às cidades uma dinâmica própria, de crescimento exponencial. Foi o capitalismo que retirou do campo milhares de pessoas, que se viram, de uma hora pra outra, despojadas de tudo o que conheciam. Relações de parentesco e amizade foram rompidas, substituídas por outras, não tão sólidas, baseadas na cumplicidade nua e crua dos excluídos.
            Hoje, as cidades, em qualquer continente, em qualquer país são o local do contraste: um local onde se pode ver a suntuosidade do mundo dos ricos e as choupanas miseráveis dos pobres, onde carros caríssimos disputam o espaço com os ônibus lotados que atendem a grande massa de trabalhadores.
            Mesmo o entretenimento é diverso. Há espaços delimitados e pouco permeáveis para cada classe, não porque estejam proibidos de circular no local, mas porque a força do dinheiro cria as mais abjetas barreiras.
            E as cidades enganam. Quem visita Fortaleza, por exemplo, acaba tendo uma ideia de cidade cosmopolita, exuberante, com uma vocação turística natural. Mas isso é pra quem permanece dentro do teatro armado pelos operadores de turismo. Pois, longe da beira-mar e dos caríssimos parques aquáticos, vive uma população entregue ao medo, à violência e marcada pelo descaso por parte do setor público.
          Toda cidade tem suas belezas. Toda cidade tem suas feiuras. Ter uma ou outra, não é vivenciar a realidade. O correto é encarar essas duas realidades de frente e procurar meios para que todas as cidades sejam menos desiguais.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Março de 2017


               O 08 de março e o 15 de março foram datas importantes para o movimento dos trabalhadores. Depois das jornadas de junho, difusas, com  vários matizes e as mais variegadas reivindicações, os dois dias de luta deste março de 2017, foram um sopro de alento para o movimento dos trabalhadores. As categorias organizadas ocuparam as ruas em um excelente contraponto à manifestações da direita que culminaram na deposição de Dilma Roussef. 

               O fim do governo do PT, realizado de forma traumática, sob acusações de corrupção, em meio a maior crise enfrentada pelo país desde os anos 1930, acabou por trazer de volta a posições anti-governistas uma série de organizações que estavam assimiladas ao status quo e serviam-se, para sua sobrevivência, de uma relação promíscua com o governo, em vez de voltar-se para a sua base. 
O resultado foi a inércia dos trabalhadores frente aos ataques. 
               Agora as mobilizações tomam corpo. No entanto, observa-se uma divisão e uma polarização no campo progressista. As ilusões eleitorais ainda são um peso para os partidos que estavam no governo até a pouco tempo. Não podemos levar os trabalhadores ao engodo do chamado "governo dos trabalhadores" dentro do sistema do Capital, tal peça é uma ficção. É algo simples: o Estado burguês serve aos interesses de sua classe. Para que o Estado atenda aos anseios da classe trabalhadora, devemos tomá-lo das mãos da burguesia, desmontar sua estrutura burguesa e fazer do mesmo um Estado Operário, voltado aos interesses da classe produtora. 
                Portanto, o momento é de concentrar forças para combater os ataques. As denúncias de corrupção continuam e a contradição dos que se manifestavam contra a corrupção no governo do PT, mas que não movem uma palha nos dias de hoje devem ser exploradas. Devemos ganhar as ruas, mas também devemos ganhar as escolas, universidades, fábricas, canteiros de obras e todos os locais de concentração dos explorados, para pavimentar o caminho das lutas. 
                Acredito no poder que a organização dos trabalhadores possui. Produzimos toda a riqueza, porque motivos não poderíamos construir nosso próprio destino?
                 Em 2017 a Revolução Russa completa 100 anos. Este ascenso é representativo, pois mostra à burguesia que ela não nos venceu!

sexta-feira, 10 de março de 2017

Lotação

Ônibus lotado. Constante nas cidades brasileiras, tão onipresente nelas, quanto as ruas com esgotos a céu aberto nos bairros pobres. Trabalhadores de várias categorias, estudantes, donas de casa, todos espremidos no veículo. Os que tiveram sorte de conseguir um lugar sentado passam o tempo de diversas formas, uns leem, outros cochilam, há os que ouvem música... e, uma característica dos nossos tempos, tem muitos de olho no celular, facebook, instagran, whatsapp e por aí vai. Nunca antes na história da humanidade estivemos tão conectados! Em minutos, as notícias massificam, as histórias se multiplicam e cada um tem uma opinião a dar um comentário a fazer, ainda que na cômoda segurança das redes sociais.
Mas o ônibus segue em meio ao trânsito congestionado. Em cada ponto mais pessoas se acotovelam para entrar. É outra loucura do nosso tempo: todos devemos chegar ao trabalho, à escola, ao médico, no mesmo horário. Não temos escalas de trabalho diferenciadas para evitar congestionamentos. Temos que cumprir a ditadura do horário comercial, nas repartições públicas, nas escolas, nos hospitais, nos escritórios, nas fábricas e, pasmem, mesmo em empresas de economia criativa, que, perdoem-me, não tem nada de criativas ao fazerem seus profissionais deslocarem-se em meio a um trânsito infernal para baterem um mísero ponto!
Até quando nos forçaremos a permanecer atuando segundo um modelo que, definitivamente, não está funcionando?
 

quarta-feira, 8 de março de 2017

Meninos



A tarde estava terminando. A meninada da rua começava a se concentrar sob o alpendre da mercearia do seu Lucas. Ali os meninos juntavam as moedinhas, contavam e recontavam, faziam cálculos e compravam bombinhas. Desde os inocentes estalos até as estrondosas, que chamavam de rasga lata. Saiam correndo em direção ao campinho e lá começavam as brincadeiras. Essas eram de todos os tipos, brincadeiras de pegar, brincadeiras com bolas, com carrinho e, dependendo da época, com pipas, com pião, com bila.
Naquele dia o ponto alto seria a explosão da bomba maior. Esperavam anoitecer para que pudessem realizar o evento. Caio trouxe uma lata vazia de leite em pó. Pintaram-na com uma tinta encarnada e amarraram uma fita azul ao redor. Nesta, escrita a carvão, os nomes de cada menino da rua. Os nomes não, os apelidos. Raul trouxe um pequeno boneco, que ele, o melhor da rua em trabalhos manuais, havia moldado de barro.
O boneco tinha a cabeça grande, uma barriga enorme e pés finos e largos como os de um pato. Quando ele tirou a pequena figura de barro do saco e o apresentou à molecada, todos riram.
“Ficou a cara mesmo! É escritinho o seu Tobias!” exclamaram alguns. Seu Tobias morava em frente ao campinho. Inimigo número 1 da garotada. Não havia bola que, inadvertidamente alguém lançasse na calçada dele, que não fosse feita em tiras. Bolas de borracha, de couro, qualquer uma, se chegasse às mãos do velho Tobias, acabou-se.
Este comportamento gerou ressentimentos nas crianças. Afinal, nunca haviam quebrado nada, nem por acidentes, nos arredores do campinho. Tirando o barulho, que afinal terminava cedo, porque costumavam brincar só até a hora do jantar, o folguedo dos pequenos ali, não incomodava nada. Mas seu Tobias era ranzinza.
Foi aí que pensaram na vingança. Iriam explodir o seu Tobias. Não o verdadeiro, mas uma cópia. Um dos meninos, certo dia, trouxe para o campinho uma revistinha de contos de terror. Ali, havia uma história sobre uma mulher que machucava um homem por meio de um boneco parecido com o homem. “E se isso funcionasse mesmo?” pensaram. E decidiram. Vamos explodir o seu Tobias.
Agora estavam ali, com o boneco preso a lata com cera de vela e o Nando com a bombinha e a caixa de fósforos na mão, para dar seguimento à execução. O silêncio que se fez foi tão grande que podiam ouvir o bater dos corações. Um dos meninos ergueu a lata e a bomba foi acesa e lançada debaixo da lata. Todos correram. A lata voou alto e caiu em pedaços a poucos metros do local onde estava. Os meninos se colocaram ao seu redor. O boneco, destruído, estava do lado. Um dos meninos pegou a cabeça de barro e a ergueu em triunfo. Todos se voltaram e olharam para a casa do inimigo. Seu Tobias estava sentado, em sua cadeira de balanço ao lado da esposa. Ele nem sabia, mas acabara de sofrer um ataque. Foi a vingança dos meninos contra seu autoritarismo.
Passaram todos em frente a calçada do velho. Sorriam. Estavam de alma lavada. Estavam vingados.

sexta-feira, 3 de março de 2017

O que um filósofo do século XVI tem a nos dizer!

                 Em tempos de acirramento dos discursos de ódio nas redes sociais é preciso ter lucidez para não ser engolfado pelas ondas furiosas dos contendores. Há gente espumando à esquerda e à direita. É patente a desumanidade nos comentários e as tentativas de denegrir imagens. A discussão de ideias ficou em segundo plano e isso quando existe.
                 É comum que a mesma pessoa, por conta de suas opiniões seja flagelado por todos os lados. Basta que você se desvie um milímetro do pensamento do outro pra ser chamado de inimigo. Assim a mesma pessoa é chamado de comunista pela direita e de fascista pela esquerda. A mesma pessoa parece acender um círio para Deus e outro ao diabo.
                 Esses dias estou lendo um livrinho muito bacana sobre Giordano Bruno. e foi uma citação do filósfo, morto na fogueira pela inquisição que me trouxe a esse tema. A citação é a seguinte:
                   "Aquele que deseja filosofar deve, antes de tudo, duvidar de todas as coisas. Não deve adotar posição num debate antes de ouvir as várias opiniões e considerar e comparar as razões pró e contra. Jamais deve julgar ou adotar posição com base no que ouviu, na opinião da maioria, na idade, nos méritos ou no prestígio do orador em questão, mas deve proceder segundo a persuasão de uma doutrina orgânica que seja fiel às coisas reais e a uma verdade que possa ser entendida à luz da razão".
                   Como podemos ver o pensamento de Bruno, lá no século XVI, se ajusta como uma luva em nossos dias. É preciso ouvir e considerar todas as opiniões, mesmo as que vão de encontro ao nosso modo de pensar. Isso é importante até para que possamos criar e melhorar nossos argumentos.
                    E devemos lembrar, ainda, que discussões nas redes sociais não mudam nada. O que muda é a luta cotidiana, contra esse sistema que dia a dia nos desumaniza e nos deseja ver como simples autômatos, sem valor algum. Saiamos, pois da frente do computador e vamos tomas nas mãos nosso futuro! Porque um outro mundo ainda é possível!