terça-feira, 20 de agosto de 2019

Lágrimas

Tenho visto, desde a vitória do fascismo nas últimas eleições muitos camaradas chorarem. Tenho ouvido muitos relatos de choro. Angústia, medo, desânimo. É uma miríade de gente de todos os tipos, de todas as correntes, de todos os gêneros. A desesperança bateu fundo em muita gente.
Ouço relatos de militantes adoecidos, reclamações sobre militância que adoece. E sempre me mantive solidário, mas eu mesmo não encontrava as lágrimas, mesmo nos momentos mais tristes. Desde o golpe temos muito pouco a comemorar. Direitos sendo retirados diariamente, as condições de trabalho se precarizando até se tornarem aviltantes, as desigualdades sociais e regionais se ampliando, o aumento do ódio e a criminalização dos que lutam foram nossa rotina desde a derrocada de Dilma.
Mas eu não poderia dar a estes senhores, donos do poder e que agora se arvoram senhores do medo, eu não poderia dar a eles o gosto de me ver chorar. Não um orgulho bobo, mas um a forma de resistir. Diante do sádico, permanecer impassível é uma defesa.
Não critico os que choram. Eu os compreendo, Podem ter certeza de que tem o meu respeito, a minha solidariedade e meu ombro amigo. Depois de tudo o que fizemos e o que conseguimos, não dava para imaginar tamanho retrocesso. Tanto não dava que em 2013 milhares saíram às ruas pedindo mais, exigindo que a ascensão a consumidores cedesse espaço à ascensão enquanto cidadãos. Mas algo deu muito errado. 2013 foi o ano em que a direita veio disputar conosco as ruas e, ainda não sabemos como e nem porquê, venceu. Precisamos engolir o impeachment, a reforma trabalhista e o Teto dos Gastos para voltar a realizar grandes mobilizações de rua.
Mas não foi suficiente. Nossa geração, que em 2003 conheceu a vitória nas urnas de um projeto novo, viu esse projeto ser descaracterizado e pior, viu das ruínas dele se erguer a serpente fascista. Os tempos que vivemos são duros. Nenhuma única pauta que possa ser identificada o mínimo possível com a esquerda vai ser deixada de pé por nossos inimigos. Choremos. Mas não deixemos que as lágrimas nos enfraqueçam, pelo contrário, que elas sejam a mistura que falta para uma nova argamassa que fortalece a militância e nos dê forças para os próximos combates.
Ao tomar partido, ao enveredar pelo caminho da luta por transformação social, escolhemos o caminho difícil, sabíamos disso. Mas seguiremos, juntos, porque essa é a força maior que temos, nossa solidariedade de classe.
Cá no Nordeste vivemos em uma terra tão quente quanto o sangue que corre em nossas veias, sangue que vez por outra tinge de vermelho nosso chão. E desse chão nascerão novos lutadores e lutadoras que saberão que nossa resistência foi acima de tudo, a chama que mesmo enfraquecida permitirá queimar esse mundo e sua perversa lógica para que possamos fazer por nossas próprias mãos o futuro que desejamos.
Para concluir, hoje chorei. Chorei ao ver esta fotografia, tirada no Rio de Janeiro, mostrando o pai de uma das reféns, consolar em seus braços a mãe do sequestrador que foi abatido pelos policiais cariocas no caso do sequestro do ônibus. Chorei pela forte mensagem de esperança dessa imagem. É isso o que somos, um país onde os de baixo se solidarizam uns com os outros, não o país de patrões cínicos e de pessoas doentes armadas até os dentes que deseja Bolsonaro e seus asseclas.
Viva os lutadores do Brasil!
Viva os trabalhadores!
Viva aos que se opõem à barbárie e não compactuam com o fascismo!