Sou um homem negro de pele clara. Já fui olhado com suspeitas em determinados ambientes, já fui preterido em empregos, já fui confundido com entregadores, faxineiros, zeladores e outras coisas mais. Porque para uma sociedade erigida sobre tantas desigualdades e à custa do sangue e do trabalho de escravizados, tratar como cidadãos de segunda classe, os descendentes desses escravizados. Por tudo isso precisamos combater o racismo e o sistema que utiliza deste como forma de divisão e controle dos que trabalham.
Mas esse texto é para relatar alguns coisinhas que aconteceram esse mês e que são bem mais corriqueiras do que se pode pensar para a maioria dos brasileiros negros, retintos ou pardos. Neste mês de setembro realizei um viagem de ônibus. Saí daqui do Rio Grande do Sul e fui ao Rio de Janeiro. Uma excursão com quarenta e poucas pessoas. Dessas, eu e minha companheira éramos dois cearenses em meio aos gaúchos.
Em determinado ponto da viagem, paramos para o banho. me dirijo aos chuveiros e sou abordado por um funcionário do paradouro.
"Oi, amigo, vais para onde?"
"Ao chuveiro".
"E o lá de fora, não está funcionando?"
"Não sei te dizer. É a primeira vez que estou nessa viagem e me indicaram que o banho era aqui".
"Não e não. É lá fora. Vocês tomam banho, ali, por trás do posto. compra a fichinha ali no restaurante".
Ouvindo a explicação, fui ao restaurante, comprei a ficha e fui ao local do banho. Um ponto de caminhoneiros. Estranhei que mais ninguém da excursão tivesse ido para lá também. Ao retornar ao ônibus a surpresa: apenas eu, fui impedido de tomar banho ali e encaminhado ao ponto dos caminhoneiros. O guia, solícito, foi buscar esclarecimentos. Recebi um pedido de desculpas. O funcionário julgou que eu fosse caminhoneiro. Eu. Apenas eu. Em toda a excursão. Fui confundido com um caminhoneiro. A cor da pele e meu sotaque nordestino foram provas suficientes para o funcionário considerar que eu não deveria tomar banho, ali, no paradouro com os demais clientes.
Segui viagem refletindo sobre isso. Como nosso país é essa máquina de desigualdade, a ponto de um trabalhador não poder tomar um simples banho em um paradouro. E que as pessoas que não se encaixem em um determinado perfil, também sejam excluídas. E a justificativa seja essa: pensei que você fosse caminhoneiro, entregador, faxineiro, etc. Todo trabalho é digno.
Chegamos ao Rio e como sempre, a estadia na cidade maravilhosa vale a pena. No hotel em que ficamos fiz amizade com um funcionário, que se divertia, jogando conversa fora com os hóspedes. No ultimo dia de nossa hospedagem, ele me chamou num canto e disparou:
"Vem cá, de onde vocês são? Porque vocês estão no meios dos gaúchos, mas não falam como eles. E... e, você é negão, não tem cara de gaúcho".
Eu ri. E expliquei que era cearense e que estava morando no Sul.
"Logo vi. Essa fala de vocês, e tu, negão assim, não podia ser gaúcho".
Mais uma vez fiquei pensando nos estereótipos. Desde que cheguei aqui, no Rio Grande do Sul, vi uma herança negra riquíssima e uma população negra, que resiste aos apagamentos e que faz questão de dizer a branquitude: estamos aqui.
Relatos de uma viagem de oito dias. Quantos relatos mais se pode colher Brasil a fora? Eu, de minha parte, sigo lutando por meu espaço e para que essa nódoa tão persistente, chamada racismo, possa ser apagada de nossa sociedade. E que nós, trabalhadoras e trabalhadores, possamos ser os operadores dessa mudança. Desconstruir o racismo é uma luta de raça e classe.