sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Algumas considerações sobre raça

 Sou um homem negro de pele clara. Já fui olhado com suspeitas em determinados ambientes, já fui preterido em empregos, já fui confundido com entregadores, faxineiros, zeladores e outras coisas mais. Porque para uma sociedade erigida sobre tantas desigualdades e à custa do sangue e do trabalho de escravizados, tratar como cidadãos de segunda classe, os descendentes desses escravizados. Por tudo isso precisamos combater o racismo e o sistema que utiliza deste como forma de divisão e controle dos que trabalham. 

Mas esse texto é para relatar alguns coisinhas que aconteceram esse mês e que são bem mais corriqueiras do que se pode pensar para a maioria dos brasileiros negros, retintos ou pardos. Neste mês de setembro realizei um viagem de ônibus. Saí daqui do Rio Grande do Sul e fui ao Rio de Janeiro. Uma excursão com quarenta e poucas pessoas. Dessas, eu e minha companheira éramos dois cearenses em meio aos gaúchos. 

 Em determinado ponto da viagem, paramos para o banho. me dirijo aos chuveiros e sou abordado por um funcionário do paradouro. 

"Oi, amigo, vais para onde?"

"Ao chuveiro". 

"E o lá de fora, não está funcionando?"

"Não sei te dizer. É a primeira vez que estou nessa viagem e me indicaram que o banho era aqui". 

"Não e não. É lá fora. Vocês tomam banho, ali, por trás do posto. compra a fichinha ali no restaurante".

Ouvindo a explicação, fui ao restaurante, comprei a ficha e fui ao local do banho. Um ponto de caminhoneiros. Estranhei que mais ninguém da excursão tivesse ido para lá também. Ao retornar ao ônibus a surpresa: apenas eu, fui impedido de tomar banho ali e encaminhado ao ponto dos caminhoneiros.  O guia, solícito, foi buscar esclarecimentos. Recebi um pedido de desculpas. O funcionário julgou que eu fosse caminhoneiro. Eu. Apenas eu. Em toda a excursão. Fui confundido com um caminhoneiro. A cor da pele e meu sotaque nordestino foram provas suficientes para o funcionário considerar que eu não deveria tomar banho, ali, no paradouro com os demais clientes. 

Segui viagem refletindo sobre isso. Como nosso país é essa máquina de desigualdade, a ponto de um trabalhador não poder tomar um simples banho em um paradouro. E que as pessoas que não se encaixem em um determinado perfil, também sejam excluídas. E a justificativa seja essa: pensei que você fosse caminhoneiro, entregador, faxineiro, etc. Todo trabalho é digno. 

Chegamos ao Rio e como sempre, a estadia na cidade maravilhosa vale a pena. No hotel em que ficamos fiz amizade com um funcionário, que se divertia, jogando conversa fora com os hóspedes. No ultimo dia de nossa hospedagem, ele me chamou num canto e disparou: 

"Vem cá, de onde vocês são?  Porque vocês estão no meios dos gaúchos, mas não falam como eles. E... e, você é negão, não tem cara de gaúcho". 

Eu ri. E expliquei que era cearense e que estava morando no Sul. 

"Logo vi. Essa fala de vocês, e tu, negão assim, não podia ser gaúcho". 

Mais uma vez fiquei pensando nos estereótipos. Desde que cheguei aqui, no Rio Grande do Sul, vi uma herança negra riquíssima e uma população negra, que resiste aos apagamentos e que faz questão de dizer a branquitude: estamos aqui. 

Relatos de uma viagem de oito dias. Quantos relatos mais se pode colher Brasil a fora? Eu, de minha parte, sigo lutando por meu espaço e para que essa nódoa tão persistente, chamada racismo, possa ser apagada de nossa sociedade. E que nós, trabalhadoras e trabalhadores, possamos ser os operadores dessa mudança. Desconstruir o racismo é uma luta de raça e classe.