terça-feira, 21 de maio de 2019

Calar-se não é opção

Vivemos tempos vorazes. A defesa da universidade pública, dos direitos dos trabalhadores e a luta por uma lógica diferente da que se quer nos enfiar goela abaixo exige envolvimento, entrega e dedicação, o que tem por vezes me levado a afastar-me deste espaço. 
O governo que está aí é constituído por forças abertamente hostis à qualquer atuação do Estado, principalmente àquelas que dizem respeito a diminuição das desigualdades. E por quê? Porque o sistema defendido pelas forças que elegeram este governo é o sistema que precisa produzir e perpetuar a desigualdade para garantir sua existência. 
Durante a última década, o crescimento econômico trouxe junto consigo uma série de ideias, importadas principalmente dos EUA, que buscaram exacerbar o individualismo e retirar o sentido do coletivo, principalmente das pessoas mais talentosas e criativas. Tal como ervas daninhas que vicejam do dia para a noite, um "espírito" empreendedor passou a se apossar dos brasileiros, em uma febre que gerou milhares de quiosque de comida, pontos de açaí, food trucks, entre outros... 
Acompanhamos com assombro a goumertização das barbearias, dos botequins e de outros ramos mais, que aprenderam a oferecer o mesmo serviço por um preço mais elevado, em troca de uma repaginada no visual da loja e dos atendentes.
Isso é um problema? Passa a ser no momento em que isso é usado como modelo e padrão para o desenvolvimento de uma nação. Quando ela amplia a relação de luta de todos contra todos, quando ela exalta os que conseguiram em detrimento dos que ficaram pelo caminho.
Essa ideia de: eu consegui pelo meu esforço, muito romantizada, assola o sentimento de coletividade, de comunidade. Acabamos vendo como inimigo os que não conseguem dentro do sistema se pôr de pé e oprimir os demais.
O que o coach não te contou, amiguinho self made man, é que você é só mais um explorado, mesmo sendo CEO da tua micro-empresa. Não tens patrão, mas trabalhas bem mais do que o trabalhador de carteira assinada. Não tens férias, fins de semana e nem horário fixo. Vês pouco a família. Tudo isso para atingir um padrão que o mercado te impôs. E você e acredita que o teu inimigo é o Estado, porque acha que os impostos sugam você.
Deixa eu te contar: a maior parte do que você produz, você faz para vender. E essas vendas dependem da disponibilidade de renda dos clientes. Muitos só podem fazer isso se os impostos de todos puderem fornecer educação, saúde, aposentadoria e outras coisas para uma boa parte da população. Não importa com o que você trabalhe. Esse é um ciclo no qual você está inserido.
Por isso precisamos defender a educação, a saúde, a previdência e outros direitos. Por isso temos que defender o Banco do Brasil, os Correios, a Caixa, a Petrobrás e outras empresas públicas. Esse é o motivo de que precisamos tomar as ruas para defender a Universidade Pública e gritar que precisamos de mais educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada!
Por isso que, neste momento, calar-se não é uma opção. 

terça-feira, 14 de maio de 2019

Reflexões sobre a universidade


Trabalho em uma universidade federal. Tenho contato diário com estudantes, professores, técnicos, terceirizados, enfim, com quem constrói a universidade pública. Tenho ouvido e visto muita coisa. Histórias que se cruzam em um caleidoscópio rico em matizes dos mais diversos. Perspectivas que são transformadas, ampliadas, sonhos que se concretizam, e muito, muito mais.

E tudo isso acompanhado por temores, dificuldades, angústias... angústias como a de jovens como a que eu conversei ontem, que me dizia ter medo de terminar a graduação, não conseguir emprego e ter que voltar de mãos abanando para a comunidade sertaneja da qual saiu para fazer faculdade. Como a do outro que, mesmo com bolsa e auxílios, não sabe como continuar a fazer seu curso, porque tem família que precisa da sua ajuda, agora, enquanto indivíduo produtivo para aumentar a renda familiar.
Angústias como a do servidor que é mal tratado pela chefia, ou a do que está com familiar doente e não tem quem possa cuidar dele, ou o que tem filhos pequenos... Dificuldades que obrigam quem constrói a universidade  a fazer cotas para comprar papel, caneta, clips, grampos e outros materiais de expediente.
E elas somam-se às diversas expectativas de quem está fora da universidade e quer ter seu espaço, seu lugar ao sol dentro da universidade.
E o que é a Universidade brasileira? A educação superior pública do Brasil?
Por muito tempo foi uma instituição das elites. Esteve longe dos trabalhadores, das classes pobres, dos negros, enfim, dos excluídos da sociedade. Esteve longe do sertão, se concentrando nas capitais e no sul e sudeste do país. Há pouco mais de dez anos ela se abriu. Veio para os rincões, expandiu e, nessa expansão, ela foi se tornando mais negra, mais trabalhadora, mais popular. Passou de sonho dificílimo de alguns, para meta de muitos.
E agora, quando finalmente a universidade se abre a um público amplo, diverso e esforçado, querem que ela acabe. Dizem agora que ela não é mais necessária. Que deve ser restrita a uma elite. Que deve ser restrita em seus cursos, em suas atividades, em seus objetos de pesquisa. Querem que ela volte no tempo. Querem que ela perca sua identidade, agora tão colorida, por aquela velha e embolorada, na qual ela só servia para poucos.
Por isso dizemos não. Queremos que ela avance e não que diminua. Queremos uma universidade democrática, uma universidade à serviço da sociedade brasileira, para diminuir desigualdades e garantir educação de qualidade.
Uma universidade onde a docência não seja precarizada, nem o professor robotizado. Uma universidade onde os técnicos sejam valorizados, com seu papel no Ensino, Pesquisa e Extensão reconhecidos. Onde os alunos sejam vistos como agentes ativos de sua educação. Uma instituição que entenda os terceirizados como integrante de sua comunidade. E onde a comunidade universitária possa seguir adiante num modelo ainda mais inclusivo e que possa fazer a diferença em uma sociedade que, nesses sombrios tempos, parece ter desaprendido a ver no outro o irmão.
Nossas universidades precisam mudar mais. Precisam incluir mais. Para que as angústias, temores e dificuldades, que hoje atravessam possam ser lançadas fora e em seu lugar podermos erigir a universidade necessária: democrática, inclusiva, gratuita, pública de qualidade, em uma palavra: LIVRE

terça-feira, 7 de maio de 2019

Poema solto


Mataram uma mulher na praça,
Mataram outros por causa da raça,
Matam tantos, todo dia,
O machismo, o racismo, a homofobia.

Na TV, um ogro grita:
Pra qualquer problema, atira,
Tortura, mata, castiga

Chega! Aqui estamos para mudar,
Ir às escolas e engajar,
Negar os ódios dos discursos
Dizer que é hora de, a todos, integrar
LGBT, negro e mulher.

Porque é preciso libertar,
As injustiças, negar
E dizer não ao padrão,
Não precisamos de patrão,
O que queremos é o mundo
Sendo impossível ou não.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Uma questão de classe

Que país queremos? Esta é a pergunta que deve ser respondida com sinceridade por todos nós. O Brasil não é só São paulo. Não é só o Nordeste. Não é só o Rio Grande do Sul ou o Rio de Janeiro, não é só a Amazônia, nem os campos do cerrado. O Brasil é tudo isso e muito mais. Mais do que a soma das partes. 
Durante muito tempo, uma especialização absurda levou os investimentos mais qualificados para uma parte do Brasil e deixou outra sem nada. Pior foi o fato de que, mesmo nessas regiões que receberam esses investimentos, apenas a elite se beneficiou das rendas desse surto de desenvolvimento. Uma maioria de brasileiros permaneceu à margem. Continuaram ganhando mal, morando mal, tendo pouco acesso à saúde e educação de qualidade. 
Continuamos a ser uma nação de contrastes e de desigualdades. Desigualdades absurdas. Que provocam ressentimentos e antipatias, entre os diversos segmentos da sociedade brasileira, numa engrenagem, muito bem engendrada, na qual não se enxerga a exploração capitalista como fonte dessas desigualdades e que a superação destas passa pela superação do modo capitalista de produção. 
Uma estrofe da versão em português da Internacional Comunista diz: "nós fomos de fumo embriagados", em nossa realidade fomos embriagados de TV, de igrejas da teologia da prosperidade,. de coaches e de outras coisitas mais. Eles preparam uma fábula, fábula essa que diz que nada mais importa a não ser o seu desejo, a sua vontade. Por meio dela você terá asas para saltar sobre o abismo que separa ricos e pobres, a meritocracia seria a ferramenta mágica, quase uma varinha de condão, para fazer dos seus sonhos uma doce realidade, por meio dessa fábula, aprendemos que mesmo sendo a gata borralheira, ainda teremos nosso final feliz. 
Tudo tão clichê! A realidade não bate com o que te contam na TV. É bem diferente do que te falou o teu pastor. Não importa o quanto você pense positivo, não vai dar pra reprogramar teu DNA para te fazer um vencedor, como aconselhou teu coach... 
Precisamos é pensar como classe. Conscientizarmo-nos que estamos na base da pirâmide e sobre nós rapinam uma classe improdutiva, que nada produz, mas tudo consome, enquanto regra as migalhas que deixa cair de suas mesas para os de baixo. 
A tua micro-empresa, amigo, não te faz parte da classe burguesa. Ela te afunda mais e mais entre os que vendem de forma precarizada a força de trabalho. Por um pouco mais de dinheiro, você deixa de passar fins de semana com a família, trabalha até mais tarde e vê-se obrigado a trabalhar até uma idade avançada. E para quê? Para viver sufocado entre as dívidas e os pedidos cada vez mais exigentes de clientes que não o veem enquanto ser humano, mas como um CNPJ. Impessoal. Descartável. 
Mas não é só a ME. Tem o MEI, tem a faccionista, tem o UBER, o Ifood e sei lá mais quantos aplicativos ou formas de exploração que te impõe e que você pensa que está bem, porque alimenta tua ilusão de não ter patrão e fazer o teu horário. 
Precisamos reaprender que a sociedade tem apenas duas classes: a dos que trabalham, onde estão todos vocês, mesmo os que fazem cartãozinho se chamando de CEO, da empresa que montou no quintal com o tio e o vizinho e a dos que, sem fazer nada, lucram nos colocando para trabalhar. É essa gente que tem interessa em retirar direitos, é essa gente que quer acabar com a educação pública, gratuita e de qualidade. É essa gente que hoje está no governo e que, como velhas raposas que são, usam os conhecidos loroteiros (já falamos deles, lembra? A TV, o pastor, o coach, etc...) para não te deixar quebrar suas correntes. 
Podemos ser livres. Livres de verdade. O primeiro passo é reconhecer qual o meu lado e ocupar meu lugar na trincheira.