terça-feira, 27 de junho de 2017

Força, fraqueza, elementos humanos, demasiado humanos

   Hoje de manhã conversava com um amigo. Separados por quilômetros de distância, mantivemos uma conversa instigante pelas redes sociais. Em certo ponto, falamos sobre Heitor, personagem da Ilíada. Comecei a refletir sobre a Grécia e, mais especificamente, sobre a tragédia grega. O trágico destino de Heitor sempre me impressionou. É uma das partes mais tocantes da obra de Homero,  a luta entre o troiano e Aquiles, sua morte, o arrastar do corpo pelas areias da praia de Troia, a súplica do velho rei Príamo pelo corpo do filho, beijando as mãos do homem que matou seu filho...  
    Tudo dentro de uma atmosfera no qual o destino, traçado e determinado anteriormente, é o verdadeiro antagonista do homem, que em sua pequenez procura escapar das tramas fatais nas quais é envolto, mas sempre tende a enredar-se e cair mais nela. Lemos as obras, sejam as peças, sejam os mitos, e lá encontramos sempre essa luta, essa busca desenfreada do homem que nega o seu destino e que tenta escrever, ainda que tendo deuses como adversários, a sua própria história. 
    Li, não lembro onde, que na tragédia grega, a força do homem é a sua fraqueza. Por isso ele não pode escapar das amarras do destino, porque, afinal, a arma que utiliza para essa luta, por fim é a que vai fazê-lo cair. Gosto dessa acepção. Desta oposição entre força e fraqueza em que uma acaba por ser a outra face de uma mesma moeda. Acredito que esse jogo de aparência entre força e fraqueza, não se limitou aos gregos. Em nossa cultura judaico-cristã, temos um escritor que também falou sobre o tema. Mas seu ponto de vista é diverso. 
   O novo testamento é uma coletânea de escritos dos primeiro século do cristianismo. 27 livros escritos em sua maioria por autores anônimos. Paulo é o autor de uma boa parte desses escritos. Nestes ele responde a questionamentos e repassa orientações sobre como proceder diante de problemas pelos quais passavam as comunidades cristãs às quais escrevia. Um tema recorrente para este autor judeu, nascido provavelmente em uma cidade fora da Judeia, entre uma população de fala grega era justamente força e fraqueza. 
   São célebres algumas de suas passagens, como "quando estou fraco, aí é que sou forte" ou ainda "se for me gloriar me gloriarei das minhas fraquezas". Percebam a sutil diferença: Não é a força que é a fraqueza, não é na sua maior aptidão que encontramos as causas do seu fracasso, pelo contrário. É justamente em suas falhas que você deve fiar-se! 
  Se os gregos eram trágicos, os cristão são fatalistas! Para os antigos gregos devbia-se lutar contra o destino, utilizar todas as armas para se assenhorear de sim mesmo, para o cristão, devemos nos deixar levar, porque, diferente dos irascíveis e temperamentais deuses gregos, o Deus cristão só pode visar o seu bem e agirá. Cabe ao fiel apenas deixar-se levar ao matadouro, sofrer as injustiças e definhar a espera do divino. Não se preocupe. Se nada obtiveres nessa vida a outra, mais gloriosa, na qual, finalmente, serás recompensado. 
 Nietzsche viu essa contradição e não pôde aceitar esse enredo para sua vida. E cá entre nós, quem pode? Como ser fatalista e permitir que tudo lhe seja tirado, até a vida, sem esboçar reação alguma? Muito melhor lutar, enfrentar, fazer tudo o que for possível para mudar o destino, acreditar que é possível mudá-lo e só então, quando já não resta mais nada a fazer, assumir o trágico, assumir que apesar de usar todas as suas forças, você foi vencido. E começar de novo. E de novo. E de novo. Porque somos humanos. Criamos. Destruímos. Somos imperfeitos, mas conscientes disso e é essa consciência que nos permitir elevar-nos além de nós mesmos e nos faz, em certo sentido, próximos do Divino. 
   Não acredito no destino. Acredito na tragédia. E por isso, assim como os heróis das tragédias gregas, luto com todas as minhas forças para superar o que me impede de avançar. Não podemos ser ovelhas, viver num rebanho a espera de quem nos proteja e nos alimente. Sejamos alcateias, defendendo a nós mesmos e partilhando a sorte e o azar, tempos bons e ruins. Não aceitemos que conforto e segurança nos sejam dados em troca de cadeias. Construamos a nossa história. Nem fracos, nem fortes, apenas suficientes.

sábado, 24 de junho de 2017

Viva São João

Nostalgia! Lutava desde ontem para encontrar uma palavra para descrever o que sinto neste Juazeiro do Norte! Pelas ruas, nas calçadas, nos terrenos baldios, enfim, onde quer que se encontrasse espaços as fogueiras crepitavam! Véspera de São João e a cidade se transforma em um grande "arraiá" coberta de bandeirolas, com os tradicionais arranjos com folha de coqueiro e as indispensáveis brincadeiras juninas que integram adultos e crianças!
E o sentimento de nostalgia é o fato de que tudo isso me lembra da minha infância, num bairro da periferia de Fortaleza, onde nos anos 1980, ainda se mantinha acesa essa tradição junina. Nos anos 90, com a chegada do asfalto, a urbanização acelerada e a especulação imobiliária selvagem, não se acenderam mais as fogueiras e os folguedos juninos foram confinados a dias específicos nas escolas e nas poucas praças do bairro. Hoje, dificilmente encontramos uma festa verdadeiramente popular em Fortaleza. Daqueças que, sem o poder público organizando ou sem o patrocínio das grandes empresas, fazia-se em conjunto com os vizinhos, onde cada um, do pouco que tinha, contribuía para a diversão de todos.
Aqui em Juazeiro, logo na manhã de 23 sentia algo diferente! Feliz São João, tenha um bom São João, eram os cumprimentos nas ruas! O comércio fechando mais cedo, as pessoas, no fim da tarde providenciando os ultimos acertos nos preparativos, tudo isso dava à ocasião um clima que há muito não via! A cidade respirava tradição! A noite foi pontilhada pelas chaamas das fogueiras e teve seu silêncio quebrado pelos estampidos das bombinhas, enquanto o céu, tinha além das estrelas, vários balõezinhos brilhando.
Hoje de manhã, o da fumaça era o principal cheiro no ar. Cedinho, a cidade dormia e parecia ressonar como um grande Dragão, com a fumaça tênue de centenas de fogueiras em cinzas a tomar conta das ruas.
Que Juazeiro do Norte, essa metrópole do sertão, continue assim, crescendo, sem esquecer da tradição, sem deixar que em troca de umas poucas alegrias proporcionadas por esse Capitalismo Selvagem, perca a verdadeira alegria, que é ao lado da sua religiosidade, a grande riqueza do povo do Cariri.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Fim dos sindicatos? Uma nota sobre a organização dos trabalhadores

    Quantas vezes você ouviu por aí que o fim dos livros chegou? A cada nova tecnologia muitos se apressavam em apregoar o fim do livro: foi assim com o rádio, a TV, o computador, a internet e mais recentemente com os tablets. Mas o livro continua aí firme e forte. Esses dias observo que isso tem uma analogia muito boa com os sindicatos e outros organismo de organização dos trabalhadores e estudantes. Desde que iniciei, ainda como estudante secundarista, minha militância, que conheço pessoas que declaram o fim dos sindicatos, CA's, DCE's, etc.

     Muitos camaradas apresentam essa posição como revolucionária, como se fosse uma opinião que poderia mudar tudo dentro do movimento dos trabalhadores. Quantas vezes não se houve dizer:"os sindicatos não tem mais representatividade", "os trabalhadores não acreditam mais no sindicato", " os sindicatos não tem mais poder de mobilização" e por aí vai.

    Engraçado é que geralmente você escuta isso em assembleias, plenárias e outras atividades convocadas pelas entidades! Não é contraditório? Você atende uma convocação do sindicato, e vai lá dizer que ninguém se mobiliza mais pelos sindicatos?
    É certo que nos últimos anos tivemos uma situação atípica: a chegada ao poder PT, que dirigia e ainda dirige boa parte das entidades sindicais do país. Essa conjuntura, onde um governo de coalizão governava para os ricos e fazia concessões vultuosas para os trabalhadores levou, sim, a uma acomodação das direções que acabou por refletir-se na base.
   
Aqui e ali, importantes movimentos de contestação colocaram novas direções a frente do movimento e houve reestruturações importante com o surgimento de novas forças para disputar a direção das diversas bases. Este é um processo que ainda não está encerrado. E que agora se acentua, quando a conjuntura coloca os trabalhadores sob ataque. O golpe legislativo que apeou o governo petista do poder foi a solução que o Capital encontrou para promover a retirada de direitos e assim deixar a conta da crise para os trabalhadores e os demais oprimidos.
   As velhas direções, acostumadas a travar as lutas contra o governo que apoiavam (e que em troca lhe dava meios de sobrevida) tiveram que retirar dos depósitos as bandeiras vermelhas e os gritos de guerra e partir para o enfrentamento com o governo golpista e com a burguesia. Mas fazem isso porque pressionados pela base e de forma vacilante. Não querem fechar canais importantes de diálogo com a burguesia, caso consigam voltar ao poder por via eleitoral. Eis o grande problema da nossa época! Não são os organismos dos trabalhadores, mas as direções que estão desgastadas e que não oferecem um programa de enfrentamento consequente.
  O atual ascenso do movimento dos trabalhadores deixa isso bem claro. Convocados, ainda que timidamente, os trabalhadores atenderam ao chamado e foram às ruas! Só este ano tivemos uma grande greve geral e mais de 150 mil trabalhadores ocuparam as ruas de Brasília! Sem falar dos inúmeros atos, dias de luta e assembleias que se realizam em todo o país. Isso mostra a força da classe trabalhadora. Mostra que ainda existe força por parte dos sindicatos para mobilizar as bases. Mas é preciso que as direções avancem. As velhas direções não podem levar suas bases para uma luta consequente, pois que caiam, que sejam substituídas pelas centenas de novos lutadores que se colocam hoje à frente de seus camaradas para derrotar as ofensivas do capital e de seus agentes! É preciso construir em cada categoria, em cada local de trabalho, a partir da base essa alternativa, que não pode ser só organizativa e sindical, mas deve ser também socialista e revolucionária.
   É preciso envolver a base, fazê-la entender que a representação sindical é parte dela, não algo separado. Sindicatos são ferramentas de luta dos trabalhadores, mas é preciso que a base esteja no dia a dia das ações, junto com a direção para que os trabalhadores possam adquirir experiência para as tarefas vindouras, quando enquanto classe tiver que assumir o comando do Estado.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Somos...

       Quem somos? Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida. Pelo menos não por nós mesmos. Para algumas pessoas é fácil dizer quem você é. Para outras não. Mas faça um experimento. Pergunte aos seus parentes,aos amigos, aos colegas de trabalho, à seu companheiro ou companheira, quem você é. Com certeza você se surpreenderá com a diversidade de respostas que receberá. E quando compará-las com a sua própria resposta a essa pergunta é que você vai ficar abismado. 

       Somos seres em constante formação.Transformação. Coisas de que gostamos hoje,  abandonamos sem remorso amanhã. Outras que não suportávamos acabam encontrando espaço em nossas vidas e por aí vai. Por que? Porque temos a capacidade de aprender. De nos adaptar. De transcender nossos próprios limites e seguir em frente. Isso pode ser uma coisa boa ou mesmo ruim, vai depender da forma como encara a vida. Mas como a encara hoje, nesse momento! Um segundo a mais e já podes ter mudado de opinião. Quantos de vocês começaram a ler este texto e atraídos pelo título ou por visitarem uma vez ou outra este blog e da primeira linha até aqui já não o aprovaram para depois rejeitá-lo e continuando a ler acabaram vendo que concorda com algumas coisas e outras não?

       E isto é sadio! Não se deixe levar por pretensos sábios!Pois sábio não é o que fala. Sábio é o que escuta. E tendo ouvido tudo o que se tinha a dizer, raciocinou,pesou os prós e os contras e então escolheu o que devia tomar pra si de tudo o que ouviu. 
       Somos seres humanos. Somos imperfeitos. Muitos de nós crescemos ouvindo que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, mas na verdade o homem criou deus a imagem e semelhança do que ele sempre sonhou ser! Fomos capazes de criar, imaginar e sonhar outros mundos, promessas e poderes a nós impossíveis, mas desde que colocadas nas mãos de uma divindade, poderiam estimular uma busca que nos faria avançar, mover-nos do lugar e nos transformar em seres melhores do que éramos no início da jornada. 
      Um homem não se banha no mesmo rio duas vezes, diz o filósofo, afinal, nem o rio é o mesmo, nem o homem é o mesmo. Aceite-se.
Se não gosta de quem és hoje, mude. Se gostas, não te acomodes, pois neste mundo, mesmo as rochas mudam sob a ação das intempéries. 

Ponto eletrônico pra quem?

               
                 A administração moderna, a ciência que hoje é ensinada nas universidades, e que é um dos cursos de graduação mais procurado por jovens no Brasil, teve inicio nos fins do século XIX e início do século XX, através dos experimentos de Taylor para aumento da produtividade. Eram basicamente estudos de tempo e movimento. Infelizmente a administração teve seu pontapé inicial com a busca de um engenheiro em zumbificar os trabalhadores, retirando-lhes a iniciativa e ditando-lhes não apenas o como fazer o trabalho, mais em quanto tempo. 
                 De lá pra cá, mudanças consideráveis foram aplicadas, mas a tendência de coisificação do trabalhador nunca foi revertida. Afinal, esse é um dos pilares do sistema capitalista. Vez ou outra, esse controle de tempos e movimentos é vem a tona sob novas roupas, com belos nomes em língua estrangeira e até travestidos de inovação tecnológica. 
                 Nessa seara é que se colocam os pontos eletrônicos. Hegemônico nos mais diversos ramos e setores a maquininha tem realizado o controle dos trabalhadores que devem, espartanamente, marcar seus horários de saída e de entrada. A grande indústria, os escritórios, as em,presas de serviços, os bancos, todos possuem seu maquinário e seu software destinado a controlar entrada e saída do rebanho e contar as horas de trabalho, como numa ampulheta, onde o que escorre é a vida de cada trabalhador obrigado a render-se à rapina diária do patrão. 
                Mas minhas considerações miram um setor, que ocupa posições chaves na educação e no desenvolvimento tecnológico brasileiro: os servidores técnicos-administrativos em educação, que atuam nas instituições federais de ensino. De norte a sul do país esses trabalhadores tem se esforçado, mesmo diante da precarização e dos famigerados cortes do governo golpista a dar o suporte necessários às atividades de alunos e professores e, ainda, contribuído com pesquisas e participação nos diversos debates da educação brasileira. 
               O que se tem visto nos dias atuais é que a gestão de muitas destas instituições, ignorando as características e peculiaridades do trabalho destes servidores, têm tentado implantar o ponto eletrônico. Uma atitude canhestra e que quando justificada apenas por necessidade de adequação a lei, acaba por evidenciar que para muitos, a questão da autonomia universitária é algo relativo. A questão não é ser contra o controle de frequências, mas sim que esse controle possa ser realmente efetivo, podendo dar conta de atividades tão ricas de nuances quanto as desempenhadas pelos servidores das instituições federais de ensino
              Que motivos levariam alguém a imaginar um regime de trabalho fabril para uma instituição de ensino? Como justificar que em um local que deve primar pela liberdade, inovação, criatividade e iniciativas próprias, sejamos limitados em nosso ir e vir por uma estrovenga tecnológica de eficácia duvidosa? São mais questões para abrir o debate do que para serem respondidas nestas linhas. 
              O problema do controle de frequência é, em seu âmago, um problema de gestão. É mais fácil delegar a questão de saber se o colaborador está fazendo o seu trabalho a uma máquina, do que acompanhar o dia a dia do trabalho, propondo melhorias e sugerindo formas de contornar as dificuldades. O que se tem de mudar não é a forma do controle, é a forma como os gestores tem se relacionado com os servidores e como juntos, poderão apontar para alternativas que possam ultrapassar as barreiras limitadoras do capital e criar em nossas instituições de ensino um ambiente onde o trabalho seja uma atividade libertadora, capaz de possibilitar ao trabalhador o exercício pleno de suas capacidades, enquanto se enriquece não só como profissional, mas como pessoa!
                Quem sabe poderemos ser o ponto de partida para que essas alternativas possam ser levadas a outros locais de trabalho e assim contribuir para as transformações necessárias para a nossa sociedade? Sigamos sempre debatendo, discutindo, lutando! 
                      "Bem unidos façamos nesta luta final, uma terra sem amos, a Internacional!"