sábado, 20 de janeiro de 2018

Uma fábula ou O cachorro louco da burguesia

Há muito tempo ouvi uma história de um preto velho, em uma periferia qualquer. Falava que há muitos anos (tantos que chegavam a ser séculos), havia um grande Effendi no Oriente, chamado Bur Gues-Ya, senhor de muitas terras, que possuía oficinas e bazares, e recebia impostos de várias cidades do nascente até muito depois do poente. Sob seu domínio viviam milhares de pessoas: servos, artesãos, vendedores, e ainda sábios, músicos, poetas e sacerdotes. Por sua vontade mudavam-se as leis dos homens e dos deuses e nada havia que ele desejasse que não possuísse, em troca da miséria das milhares e milhares de almas que o  serviam.
Certo vez,a seca se abateu sobre a terra, logo após um inverno inclemente. A crise acabou por consuimir tudo o que o povo pobre da terra tinha para comer, enquanto os armazéns e celeiros do Effendi estavam cheios.
"O que faremos?" perguntaram-se os trabalhadores desesperados. "Só há uma saída! Fazer com que o Effendi reparta do que tem guardado conosco! Afinal, tudo aquilo que ele tem em seu poder, fomos nós quem produzimos!"
Resolutos foram até o enorme palácio de ouro e pedras preciosas onde Bur Gues-Ya se refastelava e esbanjava, enquanto ao seu redor os trabalhadores pereciam na miséria. Ora, o Effendi possuía um cão louco. Ele o mantinha sempre amarrado, uma vez que, por conta de sua ferocidade, por vezes nem ele mesmo conseguia controlá-lo. Ao ver que os trabalhadores vinham até seu palácio e adivinhando que eles queriam reaver os frutos de seu trabalho, soltou sobre a multidão o seu cão louco.
Este estraçalhou os trabalhadores e os pôs em fuga. Depois retornou ao seu dono, orgulhos de ter lhe guardado as posses, mesmo tendo que continuar dormindo ao relento, atado a um poste e comendo restos. Sempre que a crise se tornava aguda e os trabalhadores ousassem retomar o que haviam produzido, Bur Gues-Ya soltava seu cachorro louco.
Um dia, durante uma crise mais aguda, os trabalhadores, cientes da sua força, resolveram não fugir. Cercaram o cão louco e o mataram a pauladas e pontapés. Sem os cães de guarda, os trabalhadores avançaram sobre os bens entesourados pelo Effendi e os distribuíram entre todos o povo trabalhador, entre os miseráveis e entre todos os explorados e a partir daquele dia o povo sempre teve o que comer, e todo o fruto do seu trabalho permaneceu com eles para sempre.
Ao terminar sua narrativa, o velho me perguntou "entendeste a história?" E eu disse que  sim.
"Qual nada! Você pensa que é só mais uma história, mas essa é a pura realidade!"
E me explicou o seguinte:
O fascismo é o cachorro louco da burguesia., que mesmo sem desfrutar do modo de vida burguês, contenta-se com o resto, cheio de orgulho por defender seus donos e, um desejo sádico de praticar violência contra os trabalhadores, os negros, as mulheres, os LGBT's e todos os explorados e oprimidos.
Ele é mantido bem acorrentado e só é solto durante as crises, que é para conter os trabalhadores. A burguesia o mantém acorrentado porque ele é tão perigoso,que por vezes, na ânsia de executar bem seu papel, sai do controle de seus donos, igual como fizeram na Alemanha nazista... Por isso os donos do poder o manuseiam com cuidado...
Mais uma vez eles deram uma folga na corrente e eles estão correndo o mundo, espalhando o medo e o terror. Mas, nós, os de baixo, os trabalhadores, sabemos como lidar com ele! E mais uma vez precisamos dar cabo do cachorro louco da burguesia, mais uma vez somos chamados a combatê-lo e ar fim a ele. Somente os trabalhadores e a sua luta, unida, organizada e somada à luta contra todas as opressões poderemos dar fim ao fascismo, seja qual com qual nome ele se apresente!
E terminou cantando uma música, que me arrepia a alma, todas as vezes que escuto e que deixo aqui registrada o refrão:
 Bem unido façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional

FASCISTAS, NÃO PASSARÃO!!!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Da janela do avião

Madrugada. O avião deixa o solo. Sobe em ângulo acentuado. O céu noturno quase não tem nuvens. Estou na última poltrona. Aquela tensão, que se apodera de quase todos os passageiros na subida faz com que a aeronave permaneça por alguns segundos em silêncio... só ouvimos o barulho dos motores e do romper do ar ao permitir que o avião o rompa. Olho pela janela. A cidade dorme. Localizo a Raul Barbosa, que serpenteia elegantemente ao lado do Cocó. O rio é uma mancha escura entre o campo de luz que é a cidade. 
Fortaleza, daqui de cima parece tão calma, tranquila. Um ou outro automóvel corta velozmente as avenidas. Com certeza, em algum barzinho notívagos ainda se refastelam com a saideira (nunca definitiva). O céu negro se abraça no horizonte com um mar ainda mais escuro, ponteado aqui e ali pelos navios que se aproximam do Porto do Mucuripe.

Essa aparente calma não me engana. Nascido e criado na periferia, sei o quanto essa cidade pulsa, o quanto ela é nervosa, o quanto ela grita, chora e sangra. Sei o quanto é violenta, desigual e ainda assim, me pergunto, como pode ser tão envolvente? Envolvente a ponto de atrair e nos enredar. Louca cidade nascida a sombra do forte, crescida desordenadamente, abandonado seus filhos mais humildes à própria sorte. Complexa cidade onde se traça, em segredo, os destinos de seus moradores, pelos bairros aos quais estão confinados? 

Quem se aventura pelas madrugadas pelo Bom Jardim, Pirambu, e outros? Quem são os heróis que labutam na madrugada, permitindo à capital alencarina manter seu fluxo constante, seu vai e vem incessante? 
Olho para Fortaleza da janela do avião. Estendo a mão querendo envolvê-la em minha mão e poder dizer num arroubo de felicidade: Tu és minha Fortaleza!
Para isso, para que Fortaleza seja minha, mas também do povo preto, pobre, trabalhador, para que seja dos explorados e oprimidos, é preciso que Fortaleza seja lavada da injustiça, da desigualdade, da miséria. É preciso que Fortaleza seja revirada até os alicerces, seja posta de ponta a cabeça, para que as suas entranhas sejam exposta, é preciso que em Fortaleza, no Ceará, no Brasil e em todo o mundo possamos seguir muito além do que nos permite o capital! 
Pra Fortaleza ser de todos, precisamos fazer com que ela deixe de ser de poucos! Em pouco tempo sobrevoamos os céus do Sertão. Aqui e ali, cidades ferem a escuridão da noite, parecendo pequenas teias de luz. Quantos soluços engasgados, quantas lágrimas derramadas, quanto sangue derramado para edificar esses pontinhos e garantir que em cada um deles, uns poucos poderosos fiquem por cima, a ganhar vida do que sugam da vasta maioria oprimida. 
Há muito a ser feito. Talvez possamos fazer muito pouco, mas o importante é não ficar parados!