quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Da janela do avião

Madrugada. O avião deixa o solo. Sobe em ângulo acentuado. O céu noturno quase não tem nuvens. Estou na última poltrona. Aquela tensão, que se apodera de quase todos os passageiros na subida faz com que a aeronave permaneça por alguns segundos em silêncio... só ouvimos o barulho dos motores e do romper do ar ao permitir que o avião o rompa. Olho pela janela. A cidade dorme. Localizo a Raul Barbosa, que serpenteia elegantemente ao lado do Cocó. O rio é uma mancha escura entre o campo de luz que é a cidade. 
Fortaleza, daqui de cima parece tão calma, tranquila. Um ou outro automóvel corta velozmente as avenidas. Com certeza, em algum barzinho notívagos ainda se refastelam com a saideira (nunca definitiva). O céu negro se abraça no horizonte com um mar ainda mais escuro, ponteado aqui e ali pelos navios que se aproximam do Porto do Mucuripe.

Essa aparente calma não me engana. Nascido e criado na periferia, sei o quanto essa cidade pulsa, o quanto ela é nervosa, o quanto ela grita, chora e sangra. Sei o quanto é violenta, desigual e ainda assim, me pergunto, como pode ser tão envolvente? Envolvente a ponto de atrair e nos enredar. Louca cidade nascida a sombra do forte, crescida desordenadamente, abandonado seus filhos mais humildes à própria sorte. Complexa cidade onde se traça, em segredo, os destinos de seus moradores, pelos bairros aos quais estão confinados? 

Quem se aventura pelas madrugadas pelo Bom Jardim, Pirambu, e outros? Quem são os heróis que labutam na madrugada, permitindo à capital alencarina manter seu fluxo constante, seu vai e vem incessante? 
Olho para Fortaleza da janela do avião. Estendo a mão querendo envolvê-la em minha mão e poder dizer num arroubo de felicidade: Tu és minha Fortaleza!
Para isso, para que Fortaleza seja minha, mas também do povo preto, pobre, trabalhador, para que seja dos explorados e oprimidos, é preciso que Fortaleza seja lavada da injustiça, da desigualdade, da miséria. É preciso que Fortaleza seja revirada até os alicerces, seja posta de ponta a cabeça, para que as suas entranhas sejam exposta, é preciso que em Fortaleza, no Ceará, no Brasil e em todo o mundo possamos seguir muito além do que nos permite o capital! 
Pra Fortaleza ser de todos, precisamos fazer com que ela deixe de ser de poucos! Em pouco tempo sobrevoamos os céus do Sertão. Aqui e ali, cidades ferem a escuridão da noite, parecendo pequenas teias de luz. Quantos soluços engasgados, quantas lágrimas derramadas, quanto sangue derramado para edificar esses pontinhos e garantir que em cada um deles, uns poucos poderosos fiquem por cima, a ganhar vida do que sugam da vasta maioria oprimida. 
Há muito a ser feito. Talvez possamos fazer muito pouco, mas o importante é não ficar parados!

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