terça-feira, 16 de novembro de 2021

Alguns pães e poucos peixinhos

  34 E Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas. 35 E, como o dia fosse já muito adiantado, os seus discípulos se aproximaram dele e lhe disseram: O lugar é deserto, e o dia está já muito adiantado; 36 despede-os, para que vão aos campos e aldeias circunvizinhas e comprem pão para si, porque não têm o que comer. 37 Ele, porém, respondendo, lhes disse: Dai-lhes vós de comer. 

Às vezes a gente lê o evangelho e pensa: que raios andam lendo certos pregadores para estimular o individualismo, o desamor, o apego ao lucro e as falácias neoliberais que veem nas mulheres e homens, não a imagem e semelhança de Deus, mas apenas o outro, o concorrente, aquele a quem se deve vencer? 

Como justificar uma igreja que em vez de ter fome e sede de justiça, fecha aos olhos ao povo que sofre, que tem fome e por isso está aí comendo lixo e ossos, enquanto a igreja festeja sentando na mesa dos que são responsáveis por isso? 

Bem disse o Senhor em Malaquias, quem dera houvesse que lhes fechasse as portas. Se o meu desejo por poder é maior do que o desejo de ajudar o próximo, como posso me dizer servo, e ainda mais servo daquele que lavou aos pés dos simples pescadores e pecadores da Galiléia? 

Jesus disse: dá-lhe vós de comer. Não deu ouvidos aos que disseram que mandasse embora o povo para que comprasse o que comer. Este é o Jesus que eu creio. Que me esforço a seguir. O que alimenta ao seu povo. Não o que o deixa perecer em troca da amizade dos poderosos. O que acolhe os pecadores, não o que odeia os que lhe são diferentes. Mas o que sei eu? Peçamos misericórdia e sejamos imitadores de Cristo. Demos de comer ao povo. Amemos a todas e todos. 


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Textos publicados no Jornal O Povo no Espaço do Leitor

Entre 2017 e 2018, escrevi algumas crônicas que foram Publicadas do Jornal do Leitor do O Povo, jornal aqui de Fortaleza. Hoje estava revendo esses textos e resolvi compartilhar aqui, para todas e todos! Espero que gostem!


CHUVA

O vento frio me envolveu e me arrepiou os cabelos. O céu escureceu. Em poucos tempos, para continuar a trabalhar, tive que acender as luzes da sala. O cheiro de terra molhada inundou a casa e me fez recordar da minha infância.

Um alpendre, um lençol velho e puído, eu enrolado nele, no fundo de uma rede, escutando o plicplic incessante das gotas d’água da chuva no telhado. Adormecia embalado por esse som e esse cheiro e sonhava, sonhos de uma infância tranqüila e alegre.

O cheiro de chuva era o cheiro de felicidade. Felicidade de dormir embalado pela frescor das noites chuvosas ou a felicidade ainda maior de banhar-se nas biqueiras das casas, nas poças das ruas, inventando mil e uma brincadeiras com a meninada do bairro.

Hoje a chuva cheira a nostalgia. Porque a felicidade, agora que sou adulto, é pagar as contas, e no final, ter uns trocadinhos sobrando, pra dispersar na folia.

QUEM SOMOS?

      Um homem não se banha no mesmo rio duas vezes, diz o filósofo, afinal, nem o rio é o mesmo, nem o homem é o mesmo. Somos seres em constante formação. Transformação. Coisas de que gostamos hoje, abandonamos sem remorso amanhã. Outras que não suportávamos acabam encontrando espaço em nossas vidas e por aí vai. Por que? Porque temos a capacidade de aprender. De nos adaptar. De transcender nossos próprios limites e seguir em frente.

     Somos seres humanos. Somos imperfeitos. Muitos de nós crescemos ouvindo que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, mas na verdade o homem criou deus a imagem e semelhança do que ele sempre sonhou ser! Fomos capazes de criar, imaginar e sonhar outros mundos, promessas e poderes a nós impossíveis, mas desde que colocadas nas mãos de uma divindade, poderiam estimular uma busca que nos faria avançar, mover-nos do lugar e nos transformar em seres melhores do que éramos no início da jornada. Se não gostas de quem és hoje, mude. Se gostas, não te acomodes, pois neste mundo, mesmo as rochas mudam sob a ação das intempéries. 


ESCOLHAS E SEUS CUSTOS

Às vezes a ciência é tão bela quanto a poesia, ou até a supera... O modelo de universos paralelos é baseado em princípios da incerteza quântica, sugerindo que todos os desdobramentos possíveis de um evento acontecem, mas nós vivemos apenas uma dessas sequências. Ei, isso não é filosofia, é física! Mas te põe para pensar um bocado, hein?

Neste universo, em que nossas vidas são moldadas pelas escolhas que fizemos, o que nos resta é nos adaptarmos as consequências e se for o caso minorar, diminuir os efeitos negativos advindos de escolhas que se mostraram equivocadas.

Por isso, quando estava na graduação fiquei encantado com um conceito que estudei e que acredito ter, tal como o multiverso e suas ramificações para a física, um quê de filosófico na administração. Se você já estudou administração já deve ter se deparado com ele. Estás diante de uma escolha, deves seguir apenas uma das possibilidades disponíveis, o que você faz? Tenta estimar o Custo de Oportunidade! O que perdemos ao abandonarmos a opção A e escolhermos a B. O que deixamos de ganhar ao escolher a A em detrimento da B. Depois de ter realizado essa estimativa, pergunte-se: Vale a pena?

Escolher envolve perda. É inerente ao processo. Você não pode adiar a decisão indefinidamente, a vida é como um rio, se represado ele acabará por encontrar meios de voltar ao curso. Você não pode saltar de um universo a outro para gozar a vida que você poderia ter vivido se tivesse tomado outra decisão. Mas se fizer escolhas conscientes do que você pode perderá e ganhará com cada opção, acredito que no fim das contas estarás satisfeito com os rumos que deu para sua vida. 


UM DIÁLOGO

“Ela é linda!”

“Mas não é pro teu bico!”

“Por que não?”

“Por isso, por ser linda! Uma mulher assim nunca, nunca iria se encantar por você.”

“Ah, me deixa sonhar...”

“De jeito nenhum, todas as vezes que eu me omito você enfia os pés pelas mãos e nós dois pagamos o pato!”

“Você já pensou em, um dia, só um diazinho, em me ajudar um pouco? O resultado poderia ser diferente.”

“Não vale o risco. Se comigo me opondo, você já faz o que faz... Anda esquece, vamos seguir adiante.”

Se todo diálogo entre o coração e o cérebro fosse assim, quanta dor não teria sido evitada? Mas ao mesmo tempo, quantas obras maravilhosas nunca teriam sido realizadas, quantos livros não deixariam de ser escritos e quão insípida seria a nossa vida. Porque até quebrar a cara por amor é algo doce... Arrisque-se!


QUEM DERA SER POETA

Quem me dera ser poeta para falar das belezas que enchem nossas vidas tal como se fossem divinas. Mas Deus não me fez artista, eu é que, de gaiato, me fiz cronista, e jogo no papel estas mal escritas linhas.

Sem metro, sem verso, sem atentar às regras, colocando aqui e ali umas rimas, afinal quem que liga? Desde que eu possa escrever, que alguém possa ler e, quem sabe, gostar...

Então deixe-me falar de beleza. Da beleza de um dia de chuva, que molha o sertão de alegria, deixando a vida mais verde, enchendo o céu da mais perfeita melodia. Isso sem falar da água, que escorre pela terra e pela face do sertanejo que aguardara ansioso essa dádiva tão querida;

Me deixe falar do luar, que banha de luz prateada a toda a nossa vida e, por fim, me deixe falar da beleza de tantas e tantas coisas mínimas, por exemplo, um sorriso, um olhar ou até mesmo um suspiro, que nos enlevam o coração e nos dão força para seguir na lida.


sábado, 21 de agosto de 2021

O Ratinho



Maurício e Amanda. recém-casados. Cerimônia linda, festa top, lua de mel em uma praia paradisíaca. Agora estavam de volta. Enfrentar a nova rotina. Estavam felizes. Haviam alugado uma casinha confortável, em um local acessível, com tudo perto: lojas, supermercados, bancos, restaurantes, enfim, estavam cercados das comodidades possíveis da vida urbana. Chegaram na madrugada do sábado e dormiram em meio às caixas e aos móveis empilhados, à espera do primeiro fim de Semana para arrumarem a casa. Quase pegando no sono ouviram um barulhinho esquisito, como se algo estivesse raspando as

Paredes ou as caixas, mas o cansaço os fez ignorar.

Acordaram tarde. O sol estava glorioso, abriram as portas e as janelas para arejar a casa e começaram a labuta. Arrasta um móvel para cá, outro para lá, fura a parede, monta uma estante, já tinha passado do meio dia quando concluíram e foram tratar das caixas com utensílios e diversas miudezas.

Maurício pegou as caixas de livros e foi para o quarto , onde tinham improvisado seu escritório. A mulher foi para a cozinha, desembrulhar a louça. Estava na segunda caixa quando ouviu Amanda  gritar. Correu até onde estava com um grampeador nas

Mãos, único objeto que visualizou para usar como possível defesa. 

Ele a encontrou trêmula, em cima da pia de

Inox. 

- um rato!

- um rato? 

- sim, uma coisa horrenda, cinza, pulou da caixa direto pra cima de mim! – ela apontava para o cato da cozinha, onde em meio aos cacos de

Xícaras e Pires quebrados estava uma caixa tombada. Maurício armou-se

De uma vassoura e foi devagar se aproximando do local. Tocou de leve com o cabo da vassoura. Nada. Empurrou a caixa e rápido como um raio, um ratinho, uma catita, como dizemos aqui no Ceará saiu correndo, esbarrando nas paredes e nos

Móveis e foi para debaixo do fogão. O grito que Amanda deu ao ver o pequeno ser acabou assustando o marido, que só depois que se recompôs tentou atingir o rato com a vassoura, mas nada conseguiu. 

Ajudou a esposa a descer da pia e levou até o quarto, onde a mulher se trancou e enfiou toalhas e tapetes nas frestas das portas para se proteger do enorme “perigo”. O homem retornou a cozinha e retirou o fogão do local, apenas para constatar frustrados que o animalzinho não estava lá. Foi removendo todos os móveis de lugar, em um

Exame minucioso, que durou um par de horas. 

- Querida, revirei a cozinha inteira. Ele deve ter ido embora. Não estava em lugar nenhum. 

- Não saio daqui enquanto esse bicho não estiver morto. 

- Amor, as portas estavam abertas, ele deve ter ido embora. Receosa ela saiu do quarto. Deu uma corridinha até a porta que, da cozinha, dava acesso ao quintal, fechou-a, passou a chave e enfiou panos de chão nas frestas. 

O tempo passou. Um dia, Maurício chegou do trabalho e encontrou a mulher ainda com a farda da empresa, sentada na varanda. Antes que pudesse dizer alguma coisa ela ordenou que ele desse um fim no maldito rato. 

- Ele nunca foi embora! Eu sempre escutava suas patinhas asquerosas raspando nas coisas, encontrava o cocô dele debaixo dos móveis e embalagens vazias roídas, e até o lixo revirado. Mas nunca o via. Hoje, abro a porta e ele estava lá! Bem

Na mesinha de centro, os olhinhos brilhando, cinzento com um tudo de pêlos brancos no alto da cabeça, pensando em que maldade iria fazer! 

Maurício passou a noite revirando a casa. Nada encontrou. Convenceu a mulher a entrar em casa, após ter ido no supermercado, comprado ratoeiras e armadilhas. Espalho-as pela casa inteira. 

Na manhã seguinte: nada! Os dia iam passando e nenhum sinal do roedor. Todos os dias ele só deitava depois de armar as 7 ratoeiras, espalhar as folhas de papel colante e mais outras armadilhas pela casa. Aranhas, baratas e grilos era constantemente capturados, mas nada do rato. Ele se

Convencera mais uma vez que o inquilino incômodo tinha ido embora. Uma noite, porém, acordou de madrugada, com uma dormir barriga daquelas. Como era costume seu, para não incomodar a esposa, não usou o banheiro da suíte e foi até o banheiro que ficava no corredor. Quando acendeu a luz, ele o viu. O bichinho estava lá. Dentro da pia, onde a mulher deixará alguns panos de pra ronde molho, banhando-se como se

Estivesse em uma piscina. Ao vê-ló o camundongo deu um salto e passou entre suas pernas, sumindo na escuridão. 

No dia seguinte chamou dedetizadores. Passaram um

Pente fino na casa. Tão logo eles se foram, tornaram a notar os pequenos sinais da presença do ratinho. A criatura tinha qualquer coisa de sobrenatural! Nada o apanhava.  Aos poucos foram se

Acostumando com ele. O bicho se tornava mais cuidadoso

E não era visto de

Forma alguma. Apenas as fezes e os restos de papel roído indicavam sua presença. Era como um espectro. 

Ao fim de dois anos, o casal recebeu as chaves de seu apartamento. Era pequeno, financiado a perder de vista, mas era deles. Fizeram a mudança, colocaram tudo nas caixas, os

Móveis no caminhão e antes de sair, Maurício, para fazer graça, disse:

- adeus amiguinho, sentirei saudades- e fechou a porta. 

O casal estava radiante. Iam sair do aluguel. Nem estavam ligando para as coisas que quebravam e para a trabalheira de arrumar o seu novo lar. Já passava da meia noite quando resolveram parar. Maurício resolver abrir um vinho para comemorar. Abriu uma lata de azeitonas, cortou em cubinhos o queijo coalho e sentou no chão com a esposa, sujos e felizes. Estavam já meio altos da bebida, conversando bobagens, quando eles viram. 

Em cima da máquina de lavar, os pequenos olhos brilhando, a faixa de pelos brancos no alto da

Cabeça. Maurício estendeu a taça na direção dele. 

“Bem vindo” e caiu na risada. O ratinho saltou para o chão e correu para o fogão. Maurício se levantou. “Vou pegar a ratoeira”. 

“Não, deixa”, disse-lhe a esposa. “Ele já faz parte da família. Já tentamos dar fim nele de todo jeito. Nunca conseguimos. Se não pode vencê-lo junte-se a ele”. 

E os três seguiram juntos, ali, como estavam desde o primeiro lar do casal. Maurício, Amanda  e o ratinho.