terça-feira, 24 de outubro de 2023

Afiar o machado

 Quando os portugueses chegaram nas costas do Brasil trataram logo de explorar a riqueza que eles encontraram: o pau-brasil. Dessa árvore era retirado um corante vermelho que era muito valorizado na Europa pra tingir roupas. 

Até aí, ok. Mas, cortar as toras no meio da mata e transportar até os navios não era um trabalho nada fácil. E era ainda mais difícil para tripulações que chegavam da travessia do Atlântico, fracos e anêmicos devido a pouca e má alimentação fornecida nos navios. A solução para isso foi utilizar a mão de obra indígena. Forçada ou por meio do escambo. O fato era que, no início, os indígenas utilizavam suas próprias ferramentas para o trabalho. à medida em que aumentava a demanda europeia pelo pau de tinta brasileira, passaram a fornecer ferramentas de ferro para que o trabalho pudesse ser agilizado. O machado de ferro fez um enorme sucesso, por facilitar o trabalho de corte. 

O tempo foi passando e logo surgiram indígenas que se destacavam no manuseio do instrumento. Em um certo ponto do litoral da Bahia, um velho indígena ostentava o título de melhor cortador de pau de tinta da aldeia. Ao virem recolher as toras ele era celebrado pelos europeus e recebia muitos presentes. Um jovem, ao ver aquilo, cheio de inveja (sentimento que se espalhava pela terra como os brancos em seus navios), começou a dizer que, o velho tinha feito muito, mas no passado, mas que ele, agora era o maior cortador de pau-brasil, não só na aldeia, mas em toda a capitania. 
Ouvindo isso, e pensando em tirar vantagens um dos contratadores brancos resolveu apostar qual dos dois indígenas seria o maior cortador de toras. O vencedor seria honrado entre os brancos, como nunca antes. 
No dia aprazado compareceram, toda a aldeia e os dois indígenas. O mais novo, de machado em punho, pronto para iniciar a derrubada das árvores, O mais velho, com seu machado ainda a tiracolo. Ao sinal do contratador, o jovem se lançou sobre a mata e começou a golpear o tronco que viu mais próximo. O ancião, sentou-se em um toco e tendo tomado uma pedra de amolar, ficou afiando seu machado. 
A aldeia, cheia de respeito pelo velho cortador, olhava entristecida para o homem que ficava para trás, enquanto o rapaz já derrubava a primeira árvore. Só então o experiente ancião se levantou e foi calmamente para a mata e começou a trabalhar. Em pouco tempo, com o machado mais afiado, retirou a diferença entre ambos. Mas usando sua força e vitalidade, o rapaz seguia à frente. 
Lá pelo meio da tarde, o homem mais novo estava bem mais cansado que o velho. Seu machado já perdera o fio e ele usava toda a sua força para dar um golpe, que muitas vezes nem sequer arranhava a superfície da árvore. Antes do pôr do sol, ele exausto caiu, enquanto o ancião, continuava cortando. As toras cortadas pelo velho superavam em muito as que o jovem cortara. 
Quando tudo terminou, depois de receber as honras dos brancos, o velho foi até onde, envergonhado, o cortador mais novo estava sentado. 
"Você é muito bom. Melhor até do que eu, de verdade. Mas você se esquece que a preparação já é parte do trabalho. Eu sentei e afiei mais o machado. Cortava melhor e mais fácil que o seu e me faziam usar menos força". 
O rapaz ouviu e aprendeu a lição, mas enquanto o velho viveu ele jamais disputou com ele a primazia entre os cortadores. E essa é uma lição que todos deveríamos aprender. Não podemos nos lançar sobre nossas tarefas, quaisquer que sejam, no trabalho, na família, nos estudos, sem nos prepararmos. 
Por vezes, determinadas situações querem nos fazer agir precipitadamente. Mas é preciso manter a calma, analisar o contexto, tentar visualizar que opções temos. E só então agir. Para que a atitude tomada possa trazer os resultados desejados. 
Por vezes os problemas que temos não devem ser enfrentados como se numa corrida de cem metros rasos. Tratar como se estivessem em uma maratona, com estratégia, pesando os prós e os contras, buscando entender o momento, vai te trazer resultados melhores. 

Que cada um de nós possa dedicar tempo a afiar seu machado! 


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