quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Natal brasileiro

Natal no Brasil não tem neve. Aliás é em pleno verão. As noites de dezembro são quentes e de céu limpo. Pena que não dá pra ver quase nenhuma estrela por causa da poluição luminosa de nossas cidades. Que na época tende a aumentar, porque as casas, as ruas, as praças, os prédios públicos, tudo recebe luzes extras, piscas-piscas, os chafarizes são iluminados por luzes coloridas que bailam junto com as águas. Enfim, luzes artificiais até as retinas queimarem.
A véspera de nata é um dia movimentado. As casas estão em alvoroço fazendo os preparativos e as cozinhas parecem não parar um minuto, quentes como a oficina do velho Vulcano, fogões e fornos, preparando pratos aos quais as famílias só decidem preparar nesse dia. Lembro da devassa que se fazia nos velhos armários em busca das receitas, copiadas em folhas de caderno, ou recortadas de jornais e revistas, que ficavam escondidas durante todo o ano, e que só no dia do preparo, lembravam de procurar.
De posse da receita, vem o corre-corre na mercearia, no supermercado, para comprar ingredientes para a ceia: uvas passas (evitarei juízos de valor, diante da eterna disputa, entre quem gosta e quem não gosta), castanhas, temperos exóticos, cujo frasco, ainda pela metade, depois de ser usado na ceia de natal e de ano novo será jogado fora, por não prestar mais, o refrigerante de três litros, sempre presente nas gôndolas, a cada final de ano (parabéns aos marqueteiros), o tradicional Peru, que para boa parte da famílias, agora é a ave natalina (um frango grande e inchado, graças a superexposição aos hormônios) e o que mais exigisse a ceia: pratos salgados, sobremesas, bolos. Os mais pobres também se esmeram. Há de aparecer um galeto, uma peça de boi ou porco, um arroz, salpicado de ervilhas, uma sobremesa gelada. O capitalismo, dizem, garante comilança para todos, basta se esforçar muito. Pena que, para alguns, mesmo levantando antes do sol e se deitando quando ele já se pôs faz tempo, ainda é difícil ter o que comer a mesa, durante todo o ano, quanto mais no Natal.
Quando a noite cai, começa o vaivém de pessoas às casas umas das outras, uma visita para desejar boas festas, uma olhada na rua, procurando ver a casa mais enfeitada, a árvores mais bonita. A maioria em roupas novas, ou pelo menos limpas. Engraçado ver, aqui no meu Ceará, as casas se enchendo de pinheiros, pinhas, com algodão ou isopor imitando neve, criando uma paisagem artificialmente fria, enquanto as pessoas suam em bicas. Ainda tem as famílias, que morando distante, resolvem se reencontrar. Vem de carro, ônibus, de uber. Trazem os filhos, para que estes possam ver e ser vistos pelos avós, tios e tias, pelos primos. Geralmente na casa dos velhos patriarcas da família (também são artes do capital que os filhos morem em cubículos cada vez menores se comparados às casas dos pais, sejam de que classe for. Lembremos que as exceções confirmam a regra). Todo mundo traz um prato nessas ocasiões (Pratos devidamente divididos nos grupos de whatsapp, não sem alguma briga... afinal, sempre tem o pão duro que diz todos os anos que levará o arroz).
As crianças brincam, esquecidas de que não devem sujar as roupas antes da ceia. Primos e primas que nunca se veem, tratam-se como velhos amigos e os pais daqueles que tenham qualquer talento, por mínimo que seja, vão aproveitar qualquer chance que tiverem para tirar vantagem disso. E teremos as conhecidas piadas sem graça, as histórias dos natais passados.
A ceia, tradicionalmente, à meia-noite, está quase em desuso. Quem suportaria tanta gente em casa, por tanto tempo? O wi-fi não chega para todos, a casa está ainda mais quente e os assuntos das não chegam a envolver todo mundo. Então, come-se, bebe-se e todos vão se despendido. A excessão de um ou outro, que fica por ali, e consegue dormir, num sofá ou numa rede, sob a desculpa de que não tem transporte, ou que bebeu demais para dirigir, ou que as crianças já pegaram no sono.
Como não temos reis magos (cá entre nós, a gente ia aguentar esperar o janeiro para receber os presentes), apelamos para o velho Noel, que embora seja representado conforme nos EUA, chegou até nós pelos franceses (ainda bem, já pensou as piadinhas se tivéssemos pego direto dos ianques? Santa Claus?).
As crianças já acordam de manhã rasgando os embrulhos, sob o olhar inconformado dos que gostam de desembrulhar com cuidado para usar o papel de presente em outra ocasião. E brincam a valer com o que receberam. Alguns não chegam ao almoço de natal inteiros.
Mas tem um monte de criança que não teve Papai Noel, nem ceia, muito menos um lar. Coisas de uma sociedade desigual. Porque Natal deveria ser amor, compreensão comunidade. E acaba que cada vez mais tem sido consumo, ostentação e individualidade.
Mas, sigamos. Um menino pobre, nasceu na Palestina, já faz milênios. Viveu pelas periferias, fez bicos com a família. E quando cresceu, saiu pelo mundo falando de amor, igualdade e fraternidade, no meio de bêbados, prostitutas e outros pecadores. Cidadão de bem virava a cara para ele. Foi perseguido, preso, recebeu julgamento apressado e condenado sem provas. Este Jesus, sem coroa, sem cetro, pobre como a maioria de nós, o Jesus de Nazaré, de mãos calejadas e que gostava de contar histórias, enquanto convivia com os amigos, em comunidade, é bem mais apropriado, para nós brasileiros que o bebê da manjedoura de Belém. Acordemos para isso. E quem sabe o nosso natal será bem mais justo. Menos desigual. Cheio de sentido. Um verdadeiro Natal.

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