Mas, vivemos em tempos tão intensos e cheios de significados e contradições, que esse texto vai tomar um outro rumo.
Subi no carro e notei que na porta, naqueles bolsos que, a depender do modelo do automóvel, podem ser enormes, havia um chocalho para bebês. Não pude deixar de dar um sorriso involuntário.
No caminho fomos falando daquelas amenidades que motorista e passageiro trocam de forma quase universal: o clima, costumeiramente quente no fim do ano, o trânsito, igualmente pesado no começo da noite de sábado.
Até que ele começa a mexer no app da plataforma e solta desanimado: "Hoje, não fiz cem reais de apurado".
Começamos a falar sobre o trabalho por app, as longas e extenuantes jornadas, os sufocos, os clientes chatos e os que ele adorou conduzir.
Então ele se volta pra mim e dispara:
"Depois da sua vou pegar mais uma corrida e vou para casa. Essa época do ano, melhor está com a família à noite. Com a esposa, a minha menininha e o bebê. Ainda tem minha sogra que tá nos visitando".
Observei o quanto era importante estar com os filhos pequenos. Ainda mais nessa época do ano.
"Se é! E crescem muito rápido. E não quero perder nada deles. Por nada. Muito menos por trabalho. Vou para casa, brinco com eles, fico com a família. E amanhã, domingo, saio e faço o dinheiro para pagar os cartões".
Chegamos, nos despedimos e desci do carro. Durante a apresentação, com músicas belíssimas, que deviam me transportar aos céus, fiquei o tempo todo nesta terra mesmo. Pensando em quantos pais e mães perdem tantas coisas, dando duro para trazer os recursos necessários para família. Quanto a voracidade do capitalismo nos desumaniza a ponto de transformar a cada um de nós engrenagens do sistema.
Jornadas de trabalho amplas e sem nenhum sentido. Postos de trabalho fechados sem nenhuma reflexão do impacto social. Desigualdades naturalizadas ao extremo. E pensar que o natal celebra o nascimento de um homem que, acima de tudo, prezava a justiça social, a igualdade.
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