quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Traduções

     Imagine você, um pesquisador sério, que realizou uma pesquisa durante anos e a publicou. Seu livro é reconhecido entre seus pares e acaba por ser traduzido em outros idiomas. E de repente você descobre que o tradutor, por conta própria ou por pressão da editora, modificou um pouco o nome da sua obra, dando a uma pesquisa acadêmica um tom, assim, meio exotérico? Não sei quanto a você, mas eu não gostaria nem um pouco.
    Falo isso porque, circulando pelos sebos de Fortaleza, um dia desses, encontrei um livro curioso. O título: Mistérios gnósticos. Em letras menores: as novas descobertas - O impacto da Biblioteca de Nag Hamadi. A capa mostra uma fila de camelos sobre uma duna avermelhada pelo sol do ocaso. Olhei e pensei, "aí tem mais uma lorota voltada para teorias da conspiração". Mas aí atentei para o nome do autor, Marvin Meyer, um destacado pesquisador sobre o gnosticismo. Folheei o livro e vi que era um trabalho muito bom e nada condizente com o título. Olhei a ficha catalográfica e lá estava, o título original, que não deixava dúvidas de que o tradutor pesara no título, talvez, querendo ampliar o público do livro. Em inglês o título é "The gnostic discoveries".
   Sabemos que geralmente muitos filmes não apresentam traduções dos seus nomes originais, eles têm nomes em versão brasileira, criados pelas agências de publicidade que buscam alavancar o público com títulos que lhes falem mais diretamente. Fazer o mesmo com livros é prática também comum. E talvez até ajude a vender. Mas o que eu critico aqui é a prática de colocar um nome que destoe do tom da publicação. Algo que decerto não agrada o leitor, interessado, como no caso que estamos tratando, em teorias da conspiração e que encontrará um trabalho mais denso. Afasta o leitor que deseja ler a obra de um especialista e, acredito, acaba por fazer um desserviço ao deixar confuso o público.
   Sejamos sinceros, vivemos num mundo em que tudo é passível de ser transformado em mercadoria. Mas não podemos permitir que o conhecimento, tão precioso e necessário, seja jogado a nós como quinquilharia.

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