domingo, 19 de março de 2017

Cidades

             Hoje me peguei pensando nesse aglomerado de pessoas que se espremem numa área geográfica e passam a partilhar de diversas experiências e rotinas comuns. Chamamos isso de cidade. Por incrível que pareça, uma cidade nunca é a soma de seus moradores. Ela é algo mais. Ela possui vida própria e muitas vezes uma vontade própria, uma vontade que premia uns privilegiados e que faz uma vasta maioria viver de forma miserável.
             As primeiras cidades surgiram muito antes da escrita. Muito antes do que as instituições que hoje são símbolos dela, como as escolas, os bancos ou as igrejas. Assumiram ao longo do tempo as mais diversas funções, tendo mesmo a sua importância aumentado ou diminuído de acordo com a sociedade que a originou.
             Mas foi o capitalismo que concedeu às cidades uma dinâmica própria, de crescimento exponencial. Foi o capitalismo que retirou do campo milhares de pessoas, que se viram, de uma hora pra outra, despojadas de tudo o que conheciam. Relações de parentesco e amizade foram rompidas, substituídas por outras, não tão sólidas, baseadas na cumplicidade nua e crua dos excluídos.
            Hoje, as cidades, em qualquer continente, em qualquer país são o local do contraste: um local onde se pode ver a suntuosidade do mundo dos ricos e as choupanas miseráveis dos pobres, onde carros caríssimos disputam o espaço com os ônibus lotados que atendem a grande massa de trabalhadores.
            Mesmo o entretenimento é diverso. Há espaços delimitados e pouco permeáveis para cada classe, não porque estejam proibidos de circular no local, mas porque a força do dinheiro cria as mais abjetas barreiras.
            E as cidades enganam. Quem visita Fortaleza, por exemplo, acaba tendo uma ideia de cidade cosmopolita, exuberante, com uma vocação turística natural. Mas isso é pra quem permanece dentro do teatro armado pelos operadores de turismo. Pois, longe da beira-mar e dos caríssimos parques aquáticos, vive uma população entregue ao medo, à violência e marcada pelo descaso por parte do setor público.
          Toda cidade tem suas belezas. Toda cidade tem suas feiuras. Ter uma ou outra, não é vivenciar a realidade. O correto é encarar essas duas realidades de frente e procurar meios para que todas as cidades sejam menos desiguais.

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