A tarde estava
terminando. A meninada da rua começava a se concentrar sob o alpendre da
mercearia do seu Lucas. Ali os meninos juntavam as moedinhas, contavam e
recontavam, faziam cálculos e compravam bombinhas. Desde os inocentes estalos
até as estrondosas, que chamavam de rasga lata. Saiam correndo em direção ao
campinho e lá começavam as brincadeiras. Essas eram de todos os tipos,
brincadeiras de pegar, brincadeiras com bolas, com carrinho e, dependendo da
época, com pipas, com pião, com bila.
Naquele dia o
ponto alto seria a explosão da bomba maior. Esperavam anoitecer para que
pudessem realizar o evento. Caio trouxe uma lata vazia de leite em pó.
Pintaram-na com uma tinta encarnada e amarraram uma fita azul ao redor. Nesta,
escrita a carvão, os nomes de cada menino da rua. Os nomes não, os apelidos.
Raul trouxe um pequeno boneco, que ele, o melhor da rua em trabalhos manuais,
havia moldado de barro.
O boneco tinha
a cabeça grande, uma barriga enorme e pés finos e largos como os de um pato.
Quando ele tirou a pequena figura de barro do saco e o apresentou à molecada,
todos riram.
“Ficou a cara
mesmo! É escritinho o seu Tobias!” exclamaram alguns. Seu Tobias morava em
frente ao campinho. Inimigo número 1 da garotada. Não havia bola que,
inadvertidamente alguém lançasse na calçada dele, que não fosse feita em tiras.
Bolas de borracha, de couro, qualquer uma, se chegasse às mãos do velho Tobias,
acabou-se.
Este
comportamento gerou ressentimentos nas crianças. Afinal, nunca haviam quebrado
nada, nem por acidentes, nos arredores do campinho. Tirando o barulho, que
afinal terminava cedo, porque costumavam brincar só até a hora do jantar, o folguedo
dos pequenos ali, não incomodava nada. Mas seu Tobias era ranzinza.
Foi aí que
pensaram na vingança. Iriam explodir o seu Tobias. Não o verdadeiro, mas uma
cópia. Um dos meninos, certo dia, trouxe para o campinho uma revistinha de
contos de terror. Ali, havia uma história sobre uma mulher que machucava um
homem por meio de um boneco parecido com o homem. “E se isso funcionasse mesmo?”
pensaram. E decidiram. Vamos explodir o seu Tobias.
Agora estavam
ali, com o boneco preso a lata com cera de vela e o Nando com a bombinha e a
caixa de fósforos na mão, para dar seguimento à execução. O silêncio que se fez
foi tão grande que podiam ouvir o bater dos corações. Um dos meninos ergueu a
lata e a bomba foi acesa e lançada debaixo da lata. Todos correram. A lata voou
alto e caiu em pedaços a poucos metros do local onde estava. Os meninos se
colocaram ao seu redor. O boneco, destruído, estava do lado. Um dos meninos
pegou a cabeça de barro e a ergueu em triunfo. Todos se voltaram e olharam para
a casa do inimigo. Seu Tobias estava sentado, em sua cadeira de balanço ao lado
da esposa. Ele nem sabia, mas acabara de sofrer um ataque. Foi a vingança dos
meninos contra seu autoritarismo.
Passaram todos
em frente a calçada do velho. Sorriam. Estavam de alma lavada. Estavam
vingados.
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