terça-feira, 5 de junho de 2018

Escolhas, cesta de produtos e liberalismo, ou, porque você não vai aumentar suas vendas se o Estado cortar impostos

Os tempos em que vivemos são tempos de falácias. Nós as temos de todos os tipos e tamanhos.
Algumas são risíveis e logo são desmascaradas. Já outras... são, vamos dizer perigosas. Uma delas
surgiu durante a crise econômica iniciada em 2008. Por essas idas e vindas do pensamento perturbado
de certos economistas, uma crise de mercado passou a ser vendida como uma crise do Estado. A
irresponsabilidade com os ativos de alguns bancos passou a ser creditada a “gastos perdulários” do
Estado. De lá pra cá os liberais repetem como espantosa desfaçatez, hipocritamente esquecendo
seu próprio papel na bolha imobiliária, o velho mantra de que todos estaríamos melhor se o Estado
não fosse tão grande e se deixasse nas mãos do mercado uma boa parte dos serviços que hoje se
ofertam à população.
Primeiro, entendemos que àqueles que realmente têm necessidade desses serviços, por não
poderem pagar por educação, saúde, segurança e previdência privada, não deveriam cair no
canto da sereia liberal. Mas infelizmente muitos têm caído. Como não encantar-se com as
promessas de um paraíso na Terra? Riqueza criada a rodo e disponível a todos? Bom demais
para ser verdade. E não é!
E ainda existe aquela legião de homens e mulheres que escolheram abrir seu próprio negócio e
se tornaram os heróis dos século XXI! Não precisamos de Aquiles, Ulisses, esses gregos todos do
passado, não precisamos de Professor Xavier e de seus alunos mutantes, esqueçam Superman,
Homem Aranha e todo o Panteão de super-heróis da DC e da Marvel. Nenhum deles é páreo para
os portadores de poderes quase que miraculosos: os empreendedores! E o melhor, eles não estão
sozinhos! Contam com seus mestres, ainda mais sábios do que Yoda e cia. Os Coachs! Viramos uma
nação de coachs! Alguns anos atrás e eu simplesmente, se tivesse esquecido minhas aulas de inglês
ao ouvir a palavra coach acharia que a pessoa estava querendo imitar o coachar dos sapos. Agora é
impossível que eu não saiba o que são e o que fazem essa classe especial de pessoas, que
altruisticamente ( e por uma boa quantia) ajuda qualquer uma achegar no Olimpo dos bem
sucedidos em seus negócios próprios surgidos do nada!
Bem para essa galera, seu esforço individual é capaz de tudo. Construíram-se sozinhos. Seus crescimento
nada teve a ver com políticas públicas que expandiram o mercado interno fazendo com que a população
consumisse mais e, por tabela precisasse de mais gente para produzir, vender e prestar os serviços de
que necessitava. Foram incapazes de enxergar o quanto o Estado Grande de que hoje tanto reclamam
os ajudou. Tudo o que fizeram conseguiram com o seu esforço. O engraçado é que agora, esses esforço
não é suficiente. E magicamente, descobriram que a culpa é do Estado. Incapazes de ver o quanto foram
beneficiados pelas políticas que agora combatem, são também incapazes de ver que se o mérito era
todo deles e que o Estado só atrapalha, porque não continuaram em sua trajetória ascendente?
Deixemos aqui reticências diante dessa contradição que eles não saberão responder...
Bem, continuemos. Os liberais e os empreendedores, que pelo facebook, youtube e blogs dos mais
estéreis pântanos da web, aprenderam tudo o que deviam saber e mais um pouco sobre economia,
afirmam que a diminuição de Impostos vai trazer a todos mais oportunidades, porque o dinheiro vai
deixar de ser “roubado” pelo Estado e ficará nas mãos dos cidadãos, que saberão melhor o que fazer
com ele. Mais homo economicus, impossível. A ideia falida de que as escolhas econômicas do indivíduo
são sempre racionais visando a maximizar a utilidade de seu consumo já foi descartada a muito tempo
pelos avanços da psicologia, da economia comportamental, da administração e de outras ciências.
Mas o que importa? Para os defensores do Estado Mínimo basta que cheire a científico, para que como
urubus, ao redor da carniça, eles comecem a brandir qualquer argumento.
Façamos um exercício de imaginação. Cortemos os impostos, diminuamos o Estado. Como bons liberais,
os defensores do Estado Mínimo não deixarão os investidores na mão. A dívida e seus juros estão
garantidos. Mas com o corte de impostos, e sem mexer nos pagamentos de juros, o que vai ser cortado?
Ora, a educação, a saúde, a segurança e outros serviços que podem, reza a cartilha liberal, serem
ofertados com mais qualidade e efetividade pela iniciativa privada.
Empreendedor, você estará no melhor dos mundos! Seus impostos caíram a quase nada! Mas... algo
está errado. As pessoas compram menos ou até pararam de comprar. O que está havendo? Não há
mais o peso do desengonçado elefante do Estado sobre as costas do país. Porque não gastam o dinheiro
que deixou de ser roubado pelo governo?
Ora meu amiguinho, o mundo é bem mais complexo do que o modelo da Terra Plana que você viu
no Youtube! Com o Estado Mínimo, o governo deixou salários seguirem a lei da Oferta e da Procura.
Negociação direta entre patrões e empregados... Um exército de reserva enorme a procura de emprego,
que sem ter salários regulados são rebaixados ao mínimo possível no qual alguém esteja disposto a
executar.
Em muitas cidades, o fim das aposentadorias e de seus reajustes levaram a uma diminuição do consumo,
uma vez que era dos aposentados a renda principal de muitos municípios. Você vê com espanto suas
mercadorias continuarem nas prateleiras.
Mas, ainda há pessoas empregadas e que poderiam comprar, restabelecendo o círculo virtuoso do
crescimento. Você se engana. Mesmo que os salários não tivessem caído, o consumo diminuiria.
Por um motivo simples: Cada pessoa usa seu dinheiro para comprar uma cesta de produtos. Ele
equilibra essas cestas de acordo com o aumento ou diminuição dos preços. Consome um pouco
mais de uma coisa, substituindo por outra.
Com o fim da oferta de educação, saúde, segurança e previdência pelo Estado, a
pessoa ainda terá necessidade de tudo isso. Resultado: Ele terá de reservar espaço na sua
cesta para esses serviços. Ficará bem menos para consumir as outras coisas. Você, amigo
empreendedor, em pouco tempo não terá como se manter no mercado. Nesse cenário, apenas
alguns poucos permanecem, geralmente os grandes do setor. Você vai retornar a um mercado
desregulado, sem nenhuma proteção. Boa sorte e saudações liberais.

Na vida real, nada é simples. Tenha cuidado com o que deseja. A saída da crise é pela esquerda.

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