quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Reflexões kafkianas sobre a vida profissional

Texto publicado no administradores.com em 21/01/2013

Estive lendo Kafka estes dias. Uma de suas obras que sempre me surpreendeu é a pequena história que ele relata em A Metamorfose.  O escritor nos coloca diante da situação do jovem Gregor que um dia acorda transformado numa barata. Não nos é explicado como, ou porque o rapaz ficou neste estado, apenas acompanhamos angustiado sua tentativa de levantar-se e realizar as pequenas tarefas de sua rotina, mesmo se dando conta de que não é mais um ser humano.

E é aí que podemos ver na mentalidade de Gregor sua maior preocupação: não é seu estado, ele em momento algum se questiona sobre sua condição. Seus questionamentos são: o trabalho, a opinião de seu chefe, o sustento da família.
As primeiras horas sob a sua nova condição são tomadas por um pensamento: estou atrasado para o trabalho, como fazer para ir ao trabalho, quem o poderia ajudar a seguir seu caminho. Ele não chega a pensar um minuto sequer sobre o fato de que um inseto enorme, simplesmente não poderia executar o trabalho de forma normal. Quando finalmente se convence deste fato, e isso apenas depois de ter visto o chefe fugir assustado de seu apartamento, após ter contemplado a criatura que Gregor se transformara, então a personagem começa novas elucubrações.
Mais uma vez não busca explicações sobre por que está nesta situação e nem o que fazer para sair dela. Gregor parece estar conformado com a situação, o que o inquieta é a situação financeira da família, que já não pode contar com seu auxilio financeiro.
Ele acompanha com atenção a dispensa da empregada, a contratação de uma diarista, o retorno do pai ao mercado de trabalho, a iniciação profissional da irmã e mesmo o aluguel de cômodos da casa a hóspedes que viriam a alterar significativamente a situação familiar.
O conto vai se desenrolando em torno dos pensamentos de Gregor e em momento algum pode-se observá-lo como objeto dessas reflexões. O falecimento da criatura na qual se transformara o familiar, por fim vem trazer alívio a uma família que tocada pelo infortúnio se reinventou e que agora pode seguir sua vida sem o incomodo peso da monstruosa criatura.
Ora vejamos, Kafka pintou por meio deste conto o retrato de muitos profissionais modernos, que simplesmente vivem para o trabalho relegando mesmo sua saúde física e mental a segundo ou terceiro plano. Esquecem de viver a vida, preocupados em atingir suas metas, em proporcionar conforto a suas famílias deixando de viver a vida, em outras palavras esquecem de que precisam ter QUALIDADE DE VIDA! A personagem de Kafka, mesmo quando metamorfoseado em um repugnante inseto gigante, não pôde desligar-se dessas preocupações para pensar em si ainda que um instante.  E quantos acabam deixando de refletir sobre suas vidas, sua carreira e mesmo sobre quem se é de verdade, em meio a correria de suas atividades profissionais? Gregor era um trabalhador típico do capitalismo do século passado, no qual o trabalhador era apenas mais um recurso, que poderia ser a qualquer hora substituído. Em nossos dias somos bem mais que isso, uma vez que é cada vez maior a influência de nossas personalidades nos cargos que atuamos. Fazemos bem mais que apertar parafusos!
A vida não é só trabalho. A vida não é só diversão. Mas ela pode ser bem mais produtiva e prazerosa se encontrarmos o meio termo entre trabalho e diversão e com um pouco de temperança, nos proporcionarmos diariamente motivos de felicidade, coisas simples como ler um livro, ir ao cinema, brincar com os filhos, enfim, devemos nos lembrar que somos humanos e não máquinas.

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